Pastoral

A experiência do sonho

Somos um tipo de espécie capaz de sonhar. Vislumbramos o futuro. Planejamos o nosso amanhã. Somos criativos. Somos audaciosos. Somos persistentes e insistentes. O Eterno nos fez assim. Alguém que deixou de sonhar, em certo sentido deixou de viver. A falta de sonho – expectativa para o futuro – atrofia o nosso coração e alma, tornando-nos pessoas ancorada em um agora sem nenhuma novidade. Quem não sonha é mais triste do que os que sonham. Quem sonha é mais feliz do que os que não sonham.

Uma cena bonita de se pensar acerca da nossa capacidade de sonhar é imaginar as crianças. Elas não são apenas um receptáculo de estórias de fantasias. Elas imaginam-se dentro da fantasia. Exercitam a sua imaginação e criatividade vislumbrando e sonhando sua participação ativa nesses universos inventados. Para elas, se faltar o vento, elas inventam. Dormem, e sonham com os personagens. Amanhece, e elas brincam da estória que ouviram ontem, mas que sonharam para o amanhã. Sonhar é ato poderoso e subversivo. Transforma a história. Sonhar é dádiva de Deus aos humanos. 

O salmista revela a felicidade do povo exilado que retorna para a sua pátria. “Parecia um sonho”, diz o salmista. O povo abatido, agora fora revitalizado por seu Deus. O povo sem esperança, agora se encheu de júbilo. O povo escravizado, agora está liberto. O povo em prantos, agora sorri. O povo pode sonhar e esperançar. Podemos passar por muitos “exílios” em nossa existência. Mas o pior deles é estarmos exilados da nossa capacidade de sonhar com o novo amanhã. Quando nos é retirada a capacidade de vislumbrarmos o novo, em nossa vida, no nosso próximo e no mundo, praticamente morremos. O Eterno é um Deus que nos concede a graça de sonhar. Tornemo-nos crianças, fantasiando um amanhã melhor, pois amanhã poderemos brincar de um mundo mais justo, sem lágrima, sem dor e sem sofrimento. Do contrário, sem sonhos, seremos apenas viventes passando pela vida, nunca fantasiando, nunca esperançando, nunca brincando de sonhar. 

Penso que o objetivo de Deus ao se fazer gente foi nos revelar que tudo é possível, inclusive tornarmos sonhos em realidade. Que possamos engravidar dos sonhos, pois amanhã eles nascerão!

A EXPERIÊNCIA DA CONFIANÇA NO ETERNO

A experiência humana nos ensina que devemos ter cuidado em depositar a nossa confiança em coisas passageiras. Os que confiam no dinheiro, podem ficar pobres; os que confiam nos bens materiais, frustram-se, pois eles deterioram-se; os que confiam nos humanos, são traídos; os que confiam em si mesmos, decepcionam-se. O depósito da nossa confiança é coisa séria, e pode definir a qualidade da nossa saúde. As angústias de uma confiança abalada podem ser grandes, gerando em nossa alma humana um abalo significativo.

Tal abalo pode nos colocar em lugares existenciais complicados. Uma vez que a nossa confiança foi frustrada, a porta do nosso interior fica escancarada para a falta de sentido, um pessimismo em relação a vida, uma sensação de constante desconfiança de tudo e todos. Ficamos sem chão, com medo e receio de cada passo. Sábio é o salmista! Para ele há um alvo seguro para a nossa confiança: o Eterno! 

Nele podemos confiar, pois uma vez deposita nEle a nossa confiança, nada poderá nos abalar, pois não haverá espaço para o medo, receio, frustração, engano, temor. Os “montes de Sião” dentro de nós não serão abalados se depositamos a nossa confiança em Deus. Os passos que damos quando a confiança está no Altíssimo, são passos seguros, bem dados. A confiança no Senhor é um lançar-se em fé. É um salto seguro. É um atravessamento de um grande precipício com a certeza da chegada no chão firme. Quem confia em Iavé, confia também em sua bondade. O pessimismo diante da maldade do mundo não alcança o coração de quem caminha com Deus, pois sabe que em Deus sempre o amor vencerá. No Eterno não temos o porquê temer que a barbárie, as guerras ou a maldade se perpetue. Sempre o amor vencerá a indiferença; o perdão vencerá o rancor; e a bondade vencerá a maldade. No Senhor a paz está garantida!

Em que temos confiado? Para que ou quem temos dado a nossa confiança? Somente no Eterno seremos satisfeitos e, mesmo diante do mal, não seremos entregues ao desespero, pois nEle, o mal já foi julgado e vencido! Viva e desfrute da experiência da confiança no Eterno.

A EXPERIÊNCIA DA COMUNIDADE

A nossa teologia evangelical tende a ser por demais individualista. É o meu Deus; é a minha benção; é o meu milagre; é a minha vitória. O singular prevalece em detrimento do plural. Entretanto, a experiência que fazemos de Deus prioriza a comunidade. A experiência da comunidade enriquece a experiência pessoal e é essencial se quisermos experimentar plenamente a realidade do Deus testemunhado nas Escrituras. A percepção do salmista exalta justamente isso. O Eterno socorre, Ele protege, concede liberdade. Isso tudo acontece para nós e não para mim

O salmista incentiva todos a cantarem juntos. Somente em comunidade a experiência está completa. É possível perceber essa dimensão comunitária em relação a ação de Deus para com o seu povo. As misericórdias do Senhor e sua eterna graça são concedidas aos humanos, abundantemente derramadas sobre os seus. Ninguém é alvo exclusivo do cuidado de Deus. Deus não é exclusivamente nosso. Nós somos dEle e Ele é de todos. O salmista também destaca a adoração e a gratidão comunitária. Todos cantam. Todos adoram. Todos louvam. Trata-se de uma comunidade de adoradores. Trata-se de uma comunidade que reconhece o cuidado do Bom Pastor. Outro aspecto é o testemunho. O testemunho de Deus no mundo não é visto por um indivíduo, mas por toda a comunidade que é capaz de discernir a presença e ação de Deus no mundo e na história.

O futuro que Deus deseja também não é meu, mas nosso. Os projetos de cuidado do Eterno são destinados a toda a comunidade. Não basta que um seja feliz, que um seja livre, que um tenha o direito de sonhar. O socorro do Altíssimo e seus planos de prosperidade são destinados a toda comunidade. Assim, experimentar Deus e fazer a experiência da comunidade significa perceber e se perceber pertencente a um todo, ao povo, a Igreja, a comunidade do Senhor. Todos nos sentimos amados em nosso particular. Entretanto, somente quando percebemos esse amor de Deus por mim e pelos meus irmãos e irmãs e isso nos faz feliz, é que o amor se torna completo, pleno, atingindo o seu ápice e sem resquício de egoísmo. Quando sabemos que somos amados e que o amor de Deus não excluí, mas agrega, e isso é bom, é que experimentamos a realidade do Deus Trino – Deus comunidade – em nossas vidas. Somente em comunidade podemos experimentar a realidade do seu amor, amor destinado ao seu povo.

A EXPERIÊNCIA DA CASA DO POVO DE DEUS

experiência da casa do povo de Deus foi experimentada no passado quando os israelitas se reuniam no templo em Jerusalém. Embora compreendamos a nossa experiência espiritual à luz do Novo Testamento, em que existe um deslocamento do templo para o corpo do humano, muitos traços daquilo que o salmista diz ressoa em nossa espiritualidade cristã. O ajuntamento dos discípulos e discípulas de Jesus continua sendo uma prática singular da vivência da fé, desde os primórdios do movimento de Jesus. Da mesma maneira como descrito pelo salmista, a alegria está presente nestes momentos. Estar junto do povo de Deus é motivo de júbilo, de contentamento, de festa e de muitos sorrisos. A alegria na vida de quem segue ao Cristo é marcante, vem de dentro para fora. Longe de um mero hábito ritualístico, os fiéis sorriem com o coração, por isso cantam e batem palmas animados, expressando o que está dentro deles. 

Outro elemento nos ajuntamentos e encontros dos cristãos é o senso de pertencimento. Ninguém vive a espiritualidade cristã sozinho, isolado e de maneira individualista. A fé é experimentada coletivamente, em grupo, em comunidade. A percepção de que somos povo de Deus, que estamos protegidos no ajuntamento, de que possuímos uma identidade é importantíssimo ao estarmos na casa do Eterno. Mais interessante é o fato de que mesmo todos sendo parte do povo do Altíssimo, há diferentes “tribos” entre nós. Nesse sentido, muitas vezes o excesso de denominações dificulta a percepção de que o povo de Deus é plural, feito de humanos com diferentes culturas e modos de pensamento, e de que esta pluralidade não é ruim. Ao contrário, expressa a beleza do Deus trino. Ser parte desse povo e viver a experiência de caminhar com esse povo implica responsabilidade. Vivenciar essa fé implica em compromissos com elementos como justiçapaz e amizade. A desigualdade, as contendas e o ódio não pertencem a cultura dessa comunidade do reino de Iavé. O Eterno, através do salmista, nos sinaliza com clareza que desfrutar da experiência da casa do povo de Deus implica, necessariamente, em meio a toda diversidade, seriedade e compromisso comunitário, para a preservação dos valores dEle. 

Que possamos diariamente se alegrar por estamos na casa do Senhor. Mais: que somos casa juntos de outras casas, nos alegrando com. Que pertencemos com. Que temos identidade na pluralidade, pois todos refletimos e agimos com justiçapaz e amizade, como povo!

A EXPERIÊNCIA DA PROTEÇÃO

Na vida temos desafios inúmeros. Durante a caminhada nos sentimos amedrontados, inseguros e vulneráveis frente as contingências da existência. Muitas são as possibilidades de nos ferirmos no meio do caminho. Sabendo disso o salmista descreve um tipo de cuidado que o Eterno desprende sobre aquele que tem no Senhor a sua confiança: a experiência da proteção

Longe de significar ausência de problemas ou da dor, a proteção divina é sobre nós em meios aos problemas e realidade difíceis da vida. Os “montes”, altos e imensos diante de nós não desaparecem. Nos deparamos com esses gigantes cotidianamente. Entretanto, o socorro protetivo do Altíssimo é maior do que os altos montes que nos afligem. Deus é aquele que fez céus e terra, sendo, pois, superior as grandes montanhas. De alguma maneira sabemos que sempre podemos crer na proteção divina, uma vez que Ele é superior e maior que qualquer problema ou dificuldade. Uma segunda faceta da proteção divina é que a sua proteção envolve um tipo de cuidado que nos ajuda na caminhada, para não “tropeçarmos” na jornada da vida. 

Como protetor, o Eterno é aquele que mantém alerta os seus filhos e filhas. A sabedoria divina está sempre disponível como fonte inesgotável de conhecimento para o humano discernir armadilhas e caminhos ruins da existência humana. Como fonte de sabedoria, Deus cuida de nós nos capacitando para estarmos sempre em alerta diante da maldade, inclusive a nossa. O Eterno é aquele que nos protege também daquilo que não temos como conter ou nos precaver. Sua sombra soberana é sobre nós, nos guardando daquilo que não podemos nos guardar. Tanto as queimaduras do sol como o entorpecimento da lua serão contidos pela experiência protetora do Pai que nos protege e preserva a nossa vida e existência. A proteção do Eterno envolve também a certeza de que aquele que é por nós não é autor do mal e do pecado, mas fonte do bem e da justiça. Sabemos que no que depender da vontade dEle a maldade não nos atingirá e nEle teremos sempre a possibilidade de uma vida plena, em abundância.

Por fim, o Eterno nos promete uma proteção atemporal, que envolve nossa saída e entrada, desde agora e para sempre. Não há limite de tempo para a sua proteção. Seja na inocência da infância ou em idade avançada, a boa mão protetora daquele que É, será sobre o humano, lhe preservando e protegendo a vida gratuitamente.

A experiência da sabedoria e da covardia


A experiência humana é uma experiência que produz em nós ansiedade. Essa ansiedade é fruto da nossa própria condição. Somos seres éticos. Sabemos discernir certo de errado e às vezes precisamos escolher entre o certo e o certo. Somos também capazes de ansiar o futuro, de pensar e imaginar a eternidade e, simultaneamente, sabermos da nossa finitude, que um dia morreremos. Somos capazes de antecipar situações complicadas à frente, que despertam em nós inquietações e angústias frente à existência. Todas essas tensões e paradoxos da nossa alma nos tornam pessoas complexas, em especial no aspecto emocional.

O salmista se descreve em uma situação complicada. Vive em meio aos mentirosos. Muitos a sua volta são maus e perversos. São pessoas que gostam da violência e de fazer guerra. Em contrapartida o salmista é da paz e, por ele, a promoveria sem reservas. Entretanto, expõe a sua angústia: anunciar a paz para essas pessoas seria declarar guerra e, consequentemente, a violência, inclusive a si mesmo e aos seus. O que fazer? Defender a sua posição pacífica abertamente, anunciando as consequências da maldade dos perversos, colhendo uma guerra declarada; ou, se limitar a orar a Deus, pedir por livramento, e sofrer as consequências em sua consciência do silenciamento diante da maldade? A vida humana nos propõe desafios como esse. Existem situações que parecem que dois caminhos sãos certos e não sabemos qual deles escolher. Existem situações em que vislumbramos à nossa frente possibilidades que nos inquietam no presente e somos paralisados diante de dilemas reais e genuínos. O que fazer? Qual caminho seguir?

Estamos sendo sábios em nossa decisão? Ou estaremos sendo covardes diante do que está posto diante de nós? Não há uma resposta para a experiência da sabedoria e da covardia. Certo é que cada indivíduo terá de lidar com as situações que a vida impõe. O diferencial do salmista e que pode ser um caminho de sabedoria espiritual para nós, é a possibilidade de recorrer ao Eterno em oração, rasgando o nosso coração, pedindo por livramento e discernimento. Temos acesso a um Deus que nos permite uma abertura completa daquilo que nos inquieta na alma, seja a dúvida da decisão ou o lidar com as consequências da escolha feita. Também temos nEle a convicção de uma justiça plena, como flechas afiadas e brasas ardentes, que nos conscientizam da nossa humanidade e limitação. A justiça e o pesar dos corações humanos é tarefa do Altíssimo. Assim, que possamos com coragem caminhar nos dilemas que a vida humana nos coloca, sabendo nos colocar na corda bamba que separa a sabedoria da covardia.

A experiência da Lei da vida

Pensar acerca do sentido e significado da “Lei” soa muito mal quando nos compreendemos no evangelho da graça de Cristo Jesus. Entretanto, a partir de Jesus, temos condição de observar com clareza aquilo que o salmista já tinha percebido: que o espírito da Lei da vida nos livra do peso da própria lei (Rm 8.2).

Essa libertação abre espaço para uma sabedoria da vida, acenando para uma plenitude da existência. A experiência da Lei da vida nos faz contemplar o padrão de Deus, especificamente o padrão do seu coração terno e amoroso. Essa experiência abre os nossos olhos para a Lei como sabedoria que enche o coração humano de potência para a Vida! A Palavra cheia de conselhos prazerosos pode, assim, adentrar a alma humana. Em meio as nossas instabilidades e medos, somos inundados por restauração, mudança no prumo da jornada. As instabilidades são vencidas, pois no Eterno temos amor e saborosos conselhos. As promessas do Altíssimo rejuvenescem a alma. A sua revelação é um bálsamo que cura o interior. Em sua Palavra somos satisfeitos por um amor que é derramado em toda a terra. Somos tomados de bom senso por parte daquele que é fonte do Bem. Somos abraçados e envolvidos, mergulhados e encantados, curiosos e atraídos pela sua Lei da Vida!

Naquele que ama a sua Lei não falta esperança, renovo e prontidão. Como um vigia se atenta aos inimigos, tua Palavra me faz vigiar as feiuras que tentam roubar a beleza de viver. Nada roubará a confiança do que ama a Lei da Vida para o Senhor! Ele se revelou em amor, sem erro. É um mar de discernimento e entendimento para a caminhada. Luz em meio as trevas. Luz que ofusca o engano. Luz de sabedoria que nos torna sábios. Meditar no Livro é meditar na Vida, pois o Livro é Livro da Vida. Meditação que é refúgio silencioso em sua Palavra. É como encontrar joias de ouro. É amor e paixão por suas Leis. Sua sabedoria transforma cada estrada da existência em caminho de amor, justiça e alegria: é vida plena e abundante. Suas Palavras duram para sempre, são confiáveis. Essa sabedoria faz brotar graça e misericórdia. Não tem como não ficar extasiado, maravilhado, emudecido depois de apreciar a Sua sabedoria. A percepção da Sua voz nos dá prazer, doçura. Como é bom viver a experiência da Lei da vida. Faltam palavras para expressar e descrever…

A experiência do maravilhamento

“Quando a esmola é demais o santo desconfia”, diz o ditado popular. Ou: “é bom demais para ser verdade”. Quando esse tipo de frase é mencionada no cotidiano, normalmente está se falando sobre algum benefício financeiro ou algum ato inesperado de bondade de outrem. A resposta natural é de surpresa e espanto frente ao inacreditável. Como algum me beneficiaria gratuitamente? Após o espanto surge a suspeita e a desconfiança. Ora, existe algo que provavelmente não está sendo percebido frente a graça concedida. Deve existir, pensaríamos, algo nas entrelinhas, ou em letras miúdas, que não estou sendo capaz de enxergar. “Devem estar me enganando”; “é uma pegadinha”. O salmista experimenta essa sensação, mas em relação a Deus. Ao deparar-se com o amor divino ele vive a experiência do maravilhamento.

Fica encantado, em êxtase, embriago do amor do Eterno por sua vida. Em dado momento do salmo ele diz: “é algo maravilhoso para nós” (NVI). Na bíblia A Mensagem, a paráfrase afirma: “Nós esfregamos os olhos, custando a crer nisso!” Muitos desconfiam da graça e da misericórdia divina. Muitos desconfiam do amor de Deus. De certa forma é compreensível, pois em nossas relações humanas estamos habituados a muita desconfiança daqueles que nos ajudam sem esperar nada em troca. Toda essa bagagem humana nos coloca em uma relação com Deus também desconfiada.

Entretanto, há uma diferença. O amor de Deus não falha! O amor de Deus é perfeito. O amor de Deus é constante. A qualidade da bondade divina é diferente da bondade humana, muitas vezes disfarçada em hipocrisias e interesses egoístas. “O amor de Deus dura para sempre!” Quando a sua graça amorosa é derramada no humano e nos abrimos ao Seu amor, não há desconfiança, é puro maravilhamento. Queremos contar para todos que Deus é bom! Queremos cantar que fomos ouvidos e amados. Que gritar que somos aceitos e livres da morte no Altíssimo. Que possamos nos maravilhar com seu amor e viver essa experiência de não ter lugar melhor que a segurança e cuidado amorosos do Senhor. 

A experiência de amar

Quem ama ou está apaixonado não precisa fornecer muita justificativa dos seus sentimentos. Amor e paixão não estão no campo da razão, mas da emoção. Quem ama está mais para poetas que recitam versos que vêm da alma do que para cientistas que tentam explicar a lei da gravidade em artigos científicos. O salmista começa sua poesia falando do seu amor pelo Eterno. Muito embora use da linguagem para expressar os seus sentimentos, suas palavras revelam que a lógica não dá conta de entendermos esse amor que ele sente. Ele nos conta de  momentos de sua vida bastante complicados. A morte o envolveu. As angústias o atingiram. Ele ficou sem forças. Ele chorou. Ele esteve aflito e em pânico. Quem diante dessas lutas tem tempo para amar? Quem diante da morte sente-se como que apaixonado? Não tem lógica. Não tem razão.

O salmista nos conta de sua devoção pelo Senhor justamente em momentos delicados e difíceis. Ele vive a experiência de amar em meio aos abismos das aflições da existência, pois é justamente ali em que ele encontra o afago do seu Deus. Deus o escuta. Deus o protege. Deus o livra da morte. Deus está com ele na dor. Deus o salva em sua impotência e pequenez. O conflito dentro de quem experimenta essa realidade é tamanho: como poderia o sofredor estar amando Deus em meio a sua luta? A solução do conflito está no fato do salmista gritar com a sua própria alma para que ela se dê conta que foi resgatada e acolhida no oceano infinito de amor do Altíssimo. O bálsamo de esperança que esse amor gera é visível, fazendo brotar forças no salmista para ele manifestar a sua gratidão aquele cujo seu amor é devotado.

A experiência de amar não tem lógica e tão pouco circunstância. Quem ama, quem se apaixona, se entrega e sacia a própria alma nessa sensação e na presença do seu Amado. Qual a razão do seu amor por Deus? Precisa de uma? Que possamos vivenciar esse amor corajoso, que diz para alma ficar quieta, quietinha, e tão somente se regozijar no encantamento dos apaixonados pelo Eterno.

A experiência do Deus vivo

O Deus que se revela nas Escrituras é um Deus para além do nosso conceito de Deus. Ele nunca poderá ser captado em sua totalidade. Nunca poderemos dar conta de quem Ele é em sua plenitude. Ele sempre vai escapar-nos. Ele sempre permanecerá mistério, muito embora se revele para a humanidade. Essa percepção acerca de quem Ele é, é fundamental para compreender a sua grandeza, inefabilidade e transcendência. Simultaneamente – ou dialeticamente – sua revelação, manifestação ou aparição se torna ainda mais especial, única e singular.

Viver a experiência do Deus vivo, que significa a experiência de um Deus indomesticável, não gerenciável e incontrolável em seu querer, é experimentar uma proteção, um cuidado, uma companhia, um amor, uma graça e uma misericórdia cujas palavras nunca darão conta da verdade e realidade desses conceitos. É vivenciar a pureza e grandiosidade do Mistério que deliberadamente deseja vir ao nosso encontro. É estar envolvido em um mistério amoroso. É estar casado com um noivo que ama a noiva com uma paixão eterna. É estar banhado em águas límpidas. O fiel que experimentou esse amor é um fiel que não se abala com os questionamentos dos questionadores e seus argumentos tolos. Por quê?

Por saber que Deus não é um ídolo e que tão pouco os que se curvam diante do Mistério tentam controlar o ímpeto amoroso do Eterno. Assim, aqueles que questionam Deus o fazem em nome de ídolos inexpressivos, de ideias que suas próprias mentes criaram. Somente quem está diante daquele cujo nome não dá conta do seu Ser, pode confiar em um cuidado e amparo certo e seguro. A benção de Deus está sobre aqueles que não ousam definir Deus, mas tão somente silenciar e contemplar a sua majestade, grandeza e senhorio, expressos em metáforas que nunca darão conta do Deus vivo!