Pastoral

A experiência do Deus vivo

O Deus que se revela nas Escrituras é um Deus para além do nosso conceito de Deus. Ele nunca poderá ser captado em sua totalidade. Nunca poderemos dar conta de quem Ele é em sua plenitude. Ele sempre vai escapar-nos. Ele sempre permanecerá mistério, muito embora se revele para a humanidade. Essa percepção acerca de quem Ele é, é fundamental para compreender a sua grandeza, inefabilidade e transcendência. Simultaneamente – ou dialeticamente – sua revelação, manifestação ou aparição se torna ainda mais especial, única e singular.

Viver a experiência do Deus vivo, que significa a experiência de um Deus indomesticável, não gerenciável e incontrolável em seu querer, é experimentar uma proteção, um cuidado, uma companhia, um amor, uma graça e uma misericórdia cujas palavras nunca darão conta da verdade e realidade desses conceitos. É vivenciar a pureza e grandiosidade do Mistério que deliberadamente deseja vir ao nosso encontro. É estar envolvido em um mistério amoroso. É estar casado com um noivo que ama a noiva com uma paixão eterna. É estar banhado em águas límpidas. O fiel que experimentou esse amor é um fiel que não se abala com os questionamentos dos questionadores e seus argumentos tolos. Por quê?

Por saber que Deus não é um ídolo e que tão pouco os que se curvam diante do Mistério tentam controlar o ímpeto amoroso do Eterno. Assim, aqueles que questionam Deus o fazem em nome de ídolos inexpressivos, de ideias que suas próprias mentes criaram. Somente quem está diante daquele cujo nome não dá conta do seu Ser, pode confiar em um cuidado e amparo certo e seguro. A benção de Deus está sobre aqueles que não ousam definir Deus, mas tão somente silenciar e contemplar a sua majestade, grandeza e senhorio, expressos em metáforas que nunca darão conta do Deus vivo!

A EXPERIÊNCIA DA SUBVERSÃO

Um dos momentos mais importantes da narrativa bíblica é a libertação dos hebreus da escravidão e do jugo dos opressores egípcios representados na figura de Faraó. A história da libertação do povo tem um significado singular para toda a nossa fé cristã. Primeiramente conseguimos perceber que o Eterno está comprometido com a libertação do seu povo, de tal maneira a se envolver na histórica e “patrocinar” esse projeto. Deus não está distante e indiferente a dor oprimidos. Ao contrário, importa-se ao ponto de colocar em ação um plano para promoção da liberdade. Em segundo lugar, a liberdade em si é algo caro para toda a narrativa e para o divino. Assim, para além da ação em si, é fundamental notar que o Deus revelado tem a questão da liberdade em alta estima. O Senhor não deseja “castrar” o seu povo escolhido de sua liberdade e autonomia. Muito pelo contrário, a proposta de Deus para o povo separado, o qual deveria testemunhar para toda a humanidade o plano de Deus, é de uma humanidade autônoma, sonhadora, criativa e livre. Assim, entendemos que Deus não nos quer como que aprisionados ou levados de um lado para o outro, por todo vento de doutrina (Efésios 4.14), mas gente que pensa, reflete, critica, analisa e, em liberdade, toma suas posições e se responsabiliza por elas, devendo sempre promover o reino de Deus no mundo – que é um reino de liberdade.

Ação no mundo (história) e compromisso com a liberdade são dois elementos presente no Deus de Israel. O salmista percebe um traço importante desse processo: a reação do cosmo. A experiência de subversão acontece aqui. O Altíssimo nunca está em cima do muro, sempre se posiciona do lado do oprimido. As consequências dos sistemas mundanos são várias. Perseguição, autoritarismos, guerras, ódio, etc. Entretanto Deus “banca” o projeto e vai até o fim, não se importando com as águas que tornam-se revoltas e com o mundo que caótico dos egípcios, uma vez subvertida a lógica do opressor. Em contrapartida, as montanhas e colinas se alegram e festejam, pois há vida e esperança para os escravos da história. O caminho do evangelho é um caminho de profetas, os quais compram as boas brigas do mundo em prol de um mundo livre e justo. A religião é um caminho de sacerdotes, que buscam a todo custo manter a engrenagem do sistema girando como sempre. Profetas do Senhor subvertem com crítica ácida, seja quem for. Sacerdotes brincam de religião e buscam sempre sustentar seus cargos e poder. Que possamos ser como Jesus de Nazaré, o profeta crucificado, cuja mensagem subverteu o mundo, o colocando de cabeça para baixo.

A experiência com o incomparável

Nada pode se comparar a Deus! É triste percebermos como muitos indivíduos ou comunidades creem – acreditam mesmo! – que a sua interpretação, “visão”, entendimento de Deus são definitivos e únicos. A arrogância de quem acha que pode controlar, domesticar ou entender plenamente o Eterno é gigante. Ora, como o salmista nos diz: “quem pode se comparar com o Eterno?” A resposta é simples: ninguém. Isso significa que nenhum humano é portador exclusivo do ser do Senhor. Ao contrário desse tipo de soberba e arrogância idolátrica – sim, quem age assim cultua um ídolo –, devemos nos curvar diante dEle com muita humildade, o louvando e experimentando o incomparável.

Diante de quem Ele é, nos cabe, tão somente, durante toda a nossa história, nos rendermos frente as maravilhas que Ele faz. O Criador, segundo o salmista, está acima de todas as nações. Nenhuma lógica nacionalista se compara ao Senhor, que está acima de tudo e de todos. Nenhuma país, megapotências, tão pouco a nação com maior poderio bélico, pode se comparar ao Deus eterno. Ele está acima do que nossos olhos podem ver, do que a nossa imaginação pode criar, do que a nossa capacidade intelectual. Além e além. Nossas vistas alcançam o céu, mas Ele em sua majestade está para além do brilho dos nossos olhos ou do horizonte que podemos admirar ou ainda das nuvens que conseguimos observar. Ele está além e além de nós, é incomparável!

O salmo revela um Senhor que se assenta em um trono e que, simultaneamente, está atento a cada detalhe humano e terreno. Como poderíamos nos comparar com os olhos do Senhor? Como poderíamos nos colocar em pé de igualdade com Deus? Somente Ele tem condição de sondar o coração humano e dar vereditos certeiros e justos. Somente Ele: Ele é incomparável. É incomparável em seu amor, sua atenção para conosco. Ninguém ouve e vê como o Altíssimo. Somente Ele – somente! – pode fornecer esperança definitiva ao pobres, mudar histórias, humilhar os soberbos e dar espaço aos humildes, conceder vida e dar paz que transcende o entendimento. Somente Ele.

Que ao fazermos a experiência com o incomparável, possamos amansar a nossa alma, depender mais de Deus e domarmos a nossa tola arrogância religiosa e presunçosa, que atende somente os interesses do diabo. Que estejamos, pois, dispostos a tão somente adorar aquele que ultrapassa tudo e todos, silenciando nosso ego em sua presença.

A experiência da ignorância

Meditações no Salmo 39

O meio cristão é cheio de “gurus”, “sabichões” e de supostos conhecedores dos mistérios e segredos espirituais. Não apenas pastores e líderes – tem muito também –, mas pessoas que frequentam igrejas locais entendem-se como habilitados a fornecer diretrizes e dar palpites em vidas alheias. Analisam com base nas informações que possuem – normalmente muito pouca e superficial – e destilam opiniões, diretrizes, mandamentos, leis e recados da parte de Deus – na maioria das vezes genéricos e clichês do evangelicalismo brasileiro. Algumas pessoas percebem-se como teólogos e teólogas, sem sequer ter formação adequada para o labor teológico. Gente que acha que encontrou a interpretação categórica de pontos difíceis – e secundários – das Escrituras. É fato que o meio religioso cristão está repleto de crentes que se sentem mais “santos” do que os outros, mais “entendidos” do que os outros, mais “espirituais” do que os outros, mais “sábios” do que os outros. São pessoas que, embora a aparência piedosa – há muito esforço humano para construir essa pseudo piedade –, o coração está tomado por vaidade, arrogância e soberba.

Nada mais contrário a espiritualidade bíblica e humildade cristã genuína. Na contramão do quadro citado, o salmista exala em sua oração sua condição de contradição e de limitação. Diferente de quem deseja se promover, quem ora confessa seu erro de forma categórica e autêntica, não para parecer gente “humilde” e “espiritual” diante dos ouvintes. Ao contrário, os segredos da alma são desvendados em uma confissão que coloca o confessor exposto em sua fragilidade e incapacidade de discernimento. Propondo-se a permanecer calado diante dos seus opositores, para não pecar com a língua, o que pareceria algo bastante sábio e espiritual, o salmista reconhece que não adiantou nada! Ele assume que sua prática religiosa foi inútil e que serviu tão somente para aumentar sua angústia e piorar sua situação interior.

Na sequência ele se abre completamente ao Eterno, orando com a alma. Questiona Deus, reconhece que não passa de um sopro, que é frágil, que a duração de sua vida é nada, que lhe falta sentido e propósito, que não está dando conta da existência. Por fim, suplica ao Senhor para que seja escutado, apela para a sensibilidade da parte de Deus em relação aos seus dilemas, reconhece que não sabe o caminho, pede ajuda e alívio. Chora. O salmista não é alguém que sabe “o segredo” da vida espiritual. Não se percebe dando conta de si mesmo, que dirá dos outros? O detalhe que não pode escapar: ele foi sincero em fazer a experiência da ignorância, reconhecendo-a em si mesmo. Não somos chamados para sermos conhecedores dos “segredos espirituais”, mas para sermos como o Filho: manso, humilde, servo.

Que a experiência da – nossa! – ignorância nos humilhe e nos leve para uma espiritualidade que faça brotar lágrimas em nossos olhos diante do Pai que nos vê em secreto, livrando-nos da vaidade e do egocentrismo disfarçados de vida piedosa.

A experiência do já, mas ainda não

Meditações no Salmo 40

Vivemos em tempos de imediatismo. Não gostamos de esperar. Somos impacientes. Especialmente quem vive nas cidades está desconectado da espera necessária para que as sementes deem seus frutos e as plantas suas folhas e flores. Afinal, é só ir em algum mercado 24h para obter tudo o que se deseja, de forma fast food. Dentro da comunidade de Jesus dos nossos dias, esse mesmo espírito de época prevalece. As relações que os religiosos tentam construir com Deus são tomadas pelo imediatismo. As orações que “determinam” que as doenças cessem, que os problemas acabem e que a prosperidade aconteça de maneira imediata – e quase mágica – adentraram, inclusive, em comunidades históricas que, tradicionalmente, foram mais rigorosas na interpretação da fé cristã à luz das Escrituras.

A realidade, que pode ser comprovada pela observação honesta – não se supera um processo depressivo, consegue um emprego e retoma a carreira ou resolve um problema de relacionamento “determinando” algo para Deus –, é que experimentamos em nosso relacionamento com o Eterno a experiência do já, mas ainda não. A espiritualidade bíblica, atestada na experiência de homens e mulheres de Deus nas Escrituras, mostra a possibilidade de termos nossa esperança no Senhor saciada aqui na terra (). Diante da nossa fragilidade em relação a vida, com toda sua complexidade, dificuldades, medos e situações desesperadoras, podemos esperar no Altíssimo! É real, é possível e existem testemunhos seguros de que o Pai intervém em relação aos seus filhos. O salmista sinaliza esse fato em sua oração. Deus olha para ele, respondendo ao seu clamor, seu pedido de socorro. Mais do que atenção, existe intervenção. O Senhor tira o salmista do fundo da lema em que se encontrava.

A ação de Deus muda a disposição existencial de quem ora, pois quem ora, embora não tenha seus problemas completamente solucionados, é capaz de agora cantar uma canção ao Libertador. O salmista chega a declarar que “feliz é aquele que deposita sua confiança em Javé” e consegue perceber que a espiritualidade que Deus espera da humanidade não está vinculada aos atos litúrgicos e cerimoniais (sacrifícios, ofertas e holocaustos), mas sim em realizar a vontade dEle na vida. Porém, o salmista não desfruta da plenitude deste relacionamento com o Senhor. É alguém em caminhada, em processo (ainda não). Nesse sentido, é alguém que espera com esperança, que ora, que clama, que se humilha, que pede por mais misericórdia e proteção. A espiritualidade bíblica não é apreciada de maneira imediata. Dura a vida.

Experimentamos muito do Deus que se deixa conhecer, mas continuamos esperando que Ele não demore em nos socorrer plenamente. Assim, permanecemos em jornada, com paciência e sempre esperando nEle. Que nossa atitude seja de humildade, dependência e de gente carente e necessitada, que reconhece o paradoxo do já, mas ainda não, sem cessar de esperançar.

A experiência da sensibilidade pelo que sofre

Meditações no Salmo 41

Se compadecer, ser tocado pela dor alheia, ter compaixão da situação dolorida do outro, viver a experiência da sensibilidade pelo que sofre… Esse tipo de disposição deveria ser óbvia para todo discípulo e discípula de Jesus de Nazaré. O Todo-Poderoso foi movido por esse tipo de disposição pela nossa vida. Logo, nada mais natural, uma vez que fomos alvo do amor de um Deus que se sensibilizou por nós em meio ao nosso sofrimento, angústia e perdição – em consequência da Queda –, que nos sensibilizássemos pela dor alheia. Louvado seja o nome do Senhor por todos os que dão testemunho de Cristo no mundo, sinalizando o Reino de Deus com tal disposição! Porém – infelizmente existe um “porém” –, nem sempre é assim. Segundo o salmista, feliz é a pessoa que se interessa pelo pobre, desamparado, enfermo, desafortunado, necessitado. Trata-se de alguém que desfrutará em sua vida de livramento, proteção e sustento do Pai.

Em outras palavras, quem vive com essa disposição no coração vive bem. Vive uma boa vida. Desfruta de bons sentimentos. É menos aborrecido com a existência. São pessoas resistentes para vida. Há paz nesse caminho. Do contrário, a experiência da vida é a experiência de quem não vive a sua, mas se intromete na dos outros. Invade, palpita, toca com malícia o sentimento alheio de quem está em estado de luto e dor. Ao invés de trazer alívio, de se sensibilizar e se compadecer, espiritualiza de forma leviana, fornecendo os motivos “espirituais” da dor do sofredor: “deve ter pecado”. Momento difícil para quem sofre é ser abandonado até pelos próprios “amigos” e ter neles o endosso de falas violentas dos que espalham mentiras e calúnias. A solidão é muitas vezes a casa de quem sofre. Mas – que bom que existe um “mas”! –, se você é o que sofre, tenha certeza: o Eterno está contigo e não se esqueceu de você, mesmo se os mais chegados te abandonaram.

Se você não é o que sofre, tenha certeza também: o caminho da espiritualidade bíblica não é o caminho de um juiz leviano e insensível, mas de alguém que desfruta da experiência da sensibilidade pelo que sofre. Na dor alheia, devemos nos interessar genuinamente pelo sofredor. Não fofocamos, não caluniamos, não mentimos. Tão somente nos importamos. Esse caminho traz vida e paz com Deus. O outro, certamente trará tristeza. Sejamos, pois, felizes, tornando-nos sinal de misericórdia e consolo para os que padecem as enfermidades da vida.

A experiência da saudade de Deus

Meditações no Salmo 42

Encarar a vida de frente não é tarefa fácil. Sentimos na caminhada o gosto de coisas que parecem que não deveriam estar por aqui. O gosto do luto. O gosto da tristeza. O gosto da decepção. O gosto do fracasso. E tantos outros gostos que não são palatáveis. Nossa alma corre sempre o risco de se encontrar abatida, deprimida e melancólica. Ao menos para quem tem o mínimo de sensibilidade diante das dores da existência, é nítido que em nossa trajetória sobram marcas interiores pelos acontecimentos e sentimentos aos quais somos submetidos.

Muitas lágrimas são derrubadas. Que resta para nós, meros humanos angustiados pela existência? Para onde iremos? Poderíamos nos entregar ao hedonismo e satisfazer todos os nossos apetites e vontades. Entretanto, como disse o sábio, “tudo é vaidade de vaidades”, e essa entrega aos prazeres não satisfaria em plenitude nossa alma tão angustiada. Poderíamos quem sabe nos entregar à uma vida sem sentido, nos rendendo ao caos. Mas o que faremos com a sensação que habita constantemente nosso coração acerca de um “algo mais” relacionado a vida? O salmista parece ter uma ânsia dentro de si. Não consegue conceber que os seus dilemas interiores são quem determinam sua esperança. Nem se entrega às paixões, nem rompe com o sentido último da vida. Por quê? Porque anseia por Deus. Tudo o que enfrenta de doloroso na vida – lágrimas, tristeza, sofrimento, agonia – o leva para uma certeza: somente o Senhor pode suprir o que me falta. O abatimento da alma do salmista é tensionado com a sua sede por Deus. Rubem Alves disse que a “saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar”.

Quem ora aqui está com saudade do Pastor, pois diante das dificuldades a alma quer voltar para aquele em quem existe plenitude. Não é a toa que quem ora relembra momentos em que esteve perto do Eterno, na casa de Deus. Saudade do Mistério, do Infinito, do Altíssimo, do provedor de sentido definitivo de uma vida marcada pela dor. A alma anseia pela Presença. A alma deseja a proximidade com aquele que É. Em meio ao turbilhão de emoções da vida, nossa alma anseia, deseja e espera por Deus. Deixemos a nossa alma ter sua saudade suprida pelo amor constante do Senhor. A experiência da saudade de Deus acontece somente com quem sabe que há algo de errado com esse mundo. Essa experiência acontece somente com quem põe toda sua esperança naquele que é seu Deus, e o deseja mais que tudo, pois só nEle há o refrigério que torna a vida verdadeiramente bela.

A experiência da perseverança no Senhor

Meditações no Salmo 44

O grande desafio do seguidor e da seguidora de Jesus não está relacionado, prioritariamente, em proclamar doutrinas acerca de Deus em um dado momento da vida. Quem segue a Jesus tem como grande desafio perseverar no caminho até o fim. Em outras palavras, nossa caminhada é mais importante do que um momento específico. Certamente seria mais fácil pensar e resumir a vida com Cristo em uma data e hora, assim, tudo estaria resolvido acerca da nossa espiritualidade. Não é essa a chamada de Deus para os seus seguidores. Somos chamados para perseverar no caminho (Mt 10:22; 24:13; Mc 13:13). A experiência da perseverança no Senhor é mais complexa pelo fato de envolver toda nossa trajetória com Deus. Em um momento específico de emoção, quebrantamento e rendição conseguimos proteger nossa devoção ao Pai com maior segurança, menos questionamentos e menos complexidades.

Em uma vida com muitos anos de caminhada, ao contrário, vivemos experiências complexas, decepções, oscilações emocionais, dores e sentimentos diversos, em que perseverar na fé é um desafio. Na vida existem altos e baixos. Momentos de segurança e insegurança. Momentos de paz e guerra. Felicidade e tristeza. Somos um turbilhão de emoções e complexidades que não damos conta de entender. Como experimentar a experiência da perseverança no Senhor? O salmista parece relatar esse choque de emoções e a sua experiência pode nos ajudar em nossa peregrinação. Em primeiro lugar quem ora reconhece que Iavé se revela na história. O Eu Sou não é um mero conceito. O Eterno se revelou no dia-a-dia de homens e mulheres, que puderam conhece-lo. Não é só meu Deus, mas o Deus dos nossos pais, avós, amigos, conhecidos. Temos segurança de que o Altíssimo se manifestou para os nossos antepassados e também para nós, em dado momento da nossa trajetória. Cada toque da graça de Deus na história é uma bandeira que devemos fincar em nossos corações, para sempre nos lembrarmos que Ele veio ao nosso encontro, cheio de Sua misericórdia. Essa convicção ajuda em nossos momentos de crise de fé. Em segundo lugar, o salmista é sincero sobre o momento ao qual enfrenta. Ele fala com toda sua honestidade. Sente-se abandonado, esquecido e desprezado por Deus. A visão dos judeus desta época é que tanto o bem como o mal vinham de Deus. Ele não hesita em questionar seu Senhor. Mesmo diante dos questionamentos Ele persevera em se voltar ao seu Rei e seu Deus.

Por fim, o salmista não cessa de esperar nEle. Mesmo inserido em um momento delicado em sua caminhada, persevera em esperar nEle, pois confia que somente Ele pode socorre-lo de forma plena, trazendo alento a sua dor e ao seu sofrimento momentâneo. Somos convidados não somente para crer em Deus, mas a perseverar em um relacionamento real com Ele. A caminhada tem seus desafios, mas devemos, como o salmista, nos lembrar de quem Ele é e faz, nos mantermos sinceros em nossas preces e confiar que somente nEle teremos satisfação plena para nossa alma.

A experiência do abrigo na fortaleza

Meditações no Salmo 43

Somos seres pequenos e limitados. Mesmo com dinheiro e poder em mãos o homem se depara com situações em que sua impotência exala de maneira cristalina. Não somos capazes de gerenciar muitos aspectos da vida. Não controlamos as enfermidades – dirá os antídotos! –, os sentimentos alheios – às vezes nem os nossos! – e muitas facetas do nosso amanhã são absolutamente imprevisíveis. Um grande problema da espiritualidade desenvolvida nos círculos cristãos é que os seguidores de Jesus tem como fundamento de sua fé elementos frágeis e que não dão respaldo e tão pouco pavimentam a longa estrada da vida espiritual. A família é muitas vezes um desses fundamentos. Entretanto, por mais importante e sagrada que ela seja, os laços familiares não são fortes o suficientes para serem fundamento da nossa fé. Não conseguimos gerenciá-los em definitivo: está fora do nosso controle. O que fazer quando se é traído pelo cônjuge?

Como vivenciar a experiência de um filho ou filha que não honra pai e mãe? Como superar problemas familiares graves, como a morte prematura ou sofrida de entes queridos? Se a família é fundamento da nossa fé e da nossa espiritualidade, perdemos o chão existencial da nossa vida. A crise mais severa se instala. A profissão também é um exemplo de fundamento inadequado. Quem garante que não haverá um corte na empresa em que atuamos? Quem garante que seremos sempre aptos para nossa função? Se fizermos da nossa carreira profissional – se aplica também para ministros religiosos! – a fundamentação da nossa espiritualidade, o risco de perdermos o rumo da vida é possível. Assim valeria para nossos relacionamentos, cheios de histórias de traições, mentiras e calúnias; a saúde, completamente além das nossas condições gerenciais; o dinheiro, cujo maior risco é torna-se dono do coração humano. O salmista parece ter percebido que o único abrigo seguro, a fortaleza da sua fé e espiritualidade, é o Eterno. Caso contrário, a alma sempre correrá o risco de adentrar uma tristeza profunda. Somente nEle temos garantida a alegria plena do nosso interior.

A esperança depositada no Altíssimo é fundamento seguro e certo para construirmos uma jornada consistente, embora certamente problemas e variáveis indesejadas são mais do que esperadas: são certas. Tendo o Senhor como rocha (Mateus 7:24-29; Lucas 6:46-49), podemos viver a experiência do abrigo na fortaleza. Como o salmista bem diz, Ele é juiz, luz, verdade, fonte plena de alegria, razão de canções de louvor, esperança e Salvador. Só Ele está nessas categorias. Certamente as demais áreas da nossa vida serão irrigadas na sabedoria do nosso Deus. Entretanto, é Ele quem nos dá segurança para um andar seguro e estável em nossa jornada espiritual.

A experiência de ser instrumento do Senhor

Meditações no Salmo 45

Muitos cristãos querem ser “usados” por Deus. O ser “usado” faz parte do vocabulário de muitos que convivem cotidianamente dentro das igrejas locais. Usado para tocar um instrumento musical, usado para pregar a palavra, usado para dar aula, etc. O que significa ser um instrumento da parte de Deus nesta terra? Ou melhor, quando somos um instrumento do Altíssimo? Não parece que ações religiosa exteriores são decisivas para tornarmo-nos instrumentos nas mãos de Deus. Existe algo bem mais profundo sinalizado no salmo. O salmista fala acerca do rei. Um rei, em sentido amplo, é alguém dotado de muito poder, glória e respeito da parte de todos. O rei descrito no salmo, porém, não é um rei qualquer. Trata-se de um rei que espontaneamente produz no coração do salmista o desejo de recitar lindas palavras em honra a sua majestade, uma vez que não é um rei comum: é um rei abençoado. O instrumento de Deus – o rei – é alguém agraciado pelo Senhor.

A graça de Deus está sob ele, ungindo seus lábios. O toque do Todo-Poderoso foi sobre seu instrumento humano. Assim, em primeiro lugar, aquele que deseja ser instrumento nas mãos de Deus, precisa ser tocado pela graça. Não se trata de “forçar a barra” para ser usado ou ser movido por conta própria visando auto-promoção. Não. Trata-se de ser conduzido pelas mãos do Pai. Uma vez agraciado, o instrumento de Deus é movido pelos valores daquEle que agracia. Quais seriam esses valores? Verdade, misericórdia e justiça. Diferente do senso comum, que diz que ser instrumento de Deus significa ter um envolvimento ativo nas atividades religiosas de uma igreja local, o salmista destaca que o coração do rei está em conformidade com o coração do Eterno. Estar comprometido com a verdade, agir com misericórdia e amar a justiça (no sentido do profetismo dos profetas hebreus – a causa do pobre, do órfão e da viúva) são determinante para que o instrumento seja de Deus e não um ativista religioso. O rei que é valorizado na poesia hebraica por sua conformidade com a vontade do Senhor também encontra alegria! Sim, fazer a vontade de Deus resulta em festa, regozijo e prosperidade (vida plena).

Por fim, o rei é alguém amado por sua noiva, pois é um instrumento de Deus íntegro. Viver a experiência de ser instrumento de Deus traz àquele que é “usado” o reconhecimento público de quem é instrumento das bençãos celestes (do salmista, da noiva, da corte). Ser um vaso nas mãos do oleiro é ser reconhecido como sinal da graça de Deus no mundo. Sejamos, pois, instrumentos do Senhor, pois a terra carece de pessoas com o coração de Jesus, o Rei dos reis, o grande sinal de Deus na história! Pessoas que, mais do que exteriormente, seja usadas para “iluminar” a terra e “salgar” a existência (Mateus 5).