Mês: fevereiro 2022

A EXPERIÊNCIA DA SUBVERSÃO

Um dos momentos mais importantes da narrativa bíblica é a libertação dos hebreus da escravidão e do jugo dos opressores egípcios representados na figura de Faraó. A história da libertação do povo tem um significado singular para toda a nossa fé cristã. Primeiramente conseguimos perceber que o Eterno está comprometido com a libertação do seu povo, de tal maneira a se envolver na histórica e “patrocinar” esse projeto. Deus não está distante e indiferente a dor oprimidos. Ao contrário, importa-se ao ponto de colocar em ação um plano para promoção da liberdade. Em segundo lugar, a liberdade em si é algo caro para toda a narrativa e para o divino. Assim, para além da ação em si, é fundamental notar que o Deus revelado tem a questão da liberdade em alta estima. O Senhor não deseja “castrar” o seu povo escolhido de sua liberdade e autonomia. Muito pelo contrário, a proposta de Deus para o povo separado, o qual deveria testemunhar para toda a humanidade o plano de Deus, é de uma humanidade autônoma, sonhadora, criativa e livre. Assim, entendemos que Deus não nos quer como que aprisionados ou levados de um lado para o outro, por todo vento de doutrina (Efésios 4.14), mas gente que pensa, reflete, critica, analisa e, em liberdade, toma suas posições e se responsabiliza por elas, devendo sempre promover o reino de Deus no mundo – que é um reino de liberdade.

Ação no mundo (história) e compromisso com a liberdade são dois elementos presente no Deus de Israel. O salmista percebe um traço importante desse processo: a reação do cosmo. A experiência de subversão acontece aqui. O Altíssimo nunca está em cima do muro, sempre se posiciona do lado do oprimido. As consequências dos sistemas mundanos são várias. Perseguição, autoritarismos, guerras, ódio, etc. Entretanto Deus “banca” o projeto e vai até o fim, não se importando com as águas que tornam-se revoltas e com o mundo que caótico dos egípcios, uma vez subvertida a lógica do opressor. Em contrapartida, as montanhas e colinas se alegram e festejam, pois há vida e esperança para os escravos da história. O caminho do evangelho é um caminho de profetas, os quais compram as boas brigas do mundo em prol de um mundo livre e justo. A religião é um caminho de sacerdotes, que buscam a todo custo manter a engrenagem do sistema girando como sempre. Profetas do Senhor subvertem com crítica ácida, seja quem for. Sacerdotes brincam de religião e buscam sempre sustentar seus cargos e poder. Que possamos ser como Jesus de Nazaré, o profeta crucificado, cuja mensagem subverteu o mundo, o colocando de cabeça para baixo.

A experiência com o incomparável

Nada pode se comparar a Deus! É triste percebermos como muitos indivíduos ou comunidades creem – acreditam mesmo! – que a sua interpretação, “visão”, entendimento de Deus são definitivos e únicos. A arrogância de quem acha que pode controlar, domesticar ou entender plenamente o Eterno é gigante. Ora, como o salmista nos diz: “quem pode se comparar com o Eterno?” A resposta é simples: ninguém. Isso significa que nenhum humano é portador exclusivo do ser do Senhor. Ao contrário desse tipo de soberba e arrogância idolátrica – sim, quem age assim cultua um ídolo –, devemos nos curvar diante dEle com muita humildade, o louvando e experimentando o incomparável.

Diante de quem Ele é, nos cabe, tão somente, durante toda a nossa história, nos rendermos frente as maravilhas que Ele faz. O Criador, segundo o salmista, está acima de todas as nações. Nenhuma lógica nacionalista se compara ao Senhor, que está acima de tudo e de todos. Nenhuma país, megapotências, tão pouco a nação com maior poderio bélico, pode se comparar ao Deus eterno. Ele está acima do que nossos olhos podem ver, do que a nossa imaginação pode criar, do que a nossa capacidade intelectual. Além e além. Nossas vistas alcançam o céu, mas Ele em sua majestade está para além do brilho dos nossos olhos ou do horizonte que podemos admirar ou ainda das nuvens que conseguimos observar. Ele está além e além de nós, é incomparável!

O salmo revela um Senhor que se assenta em um trono e que, simultaneamente, está atento a cada detalhe humano e terreno. Como poderíamos nos comparar com os olhos do Senhor? Como poderíamos nos colocar em pé de igualdade com Deus? Somente Ele tem condição de sondar o coração humano e dar vereditos certeiros e justos. Somente Ele: Ele é incomparável. É incomparável em seu amor, sua atenção para conosco. Ninguém ouve e vê como o Altíssimo. Somente Ele – somente! – pode fornecer esperança definitiva ao pobres, mudar histórias, humilhar os soberbos e dar espaço aos humildes, conceder vida e dar paz que transcende o entendimento. Somente Ele.

Que ao fazermos a experiência com o incomparável, possamos amansar a nossa alma, depender mais de Deus e domarmos a nossa tola arrogância religiosa e presunçosa, que atende somente os interesses do diabo. Que estejamos, pois, dispostos a tão somente adorar aquele que ultrapassa tudo e todos, silenciando nosso ego em sua presença.