Meditações no Salmo 129
Em muitas leituras dos salmos – e no Antigo Testamento (AT) – é possível notar traços teológicos que produzem um tipo de espiritualidade muito diferente da proposta no Novo Testamento (NT), especialmente nos evangelhos. A maneira do salmista orar é uma maneira visceral, vinculada por completos as suas emoções no momento de redigir ou entoar a poesia e falar a sua oração. Isso deve ser levado em consideração quando lemos os salmos. Mas a questão, como mencionada, não é apenas de forma, mas de conteúdo.
A teologia que sustenta a espiritualidade no AT é diferente da teologia que sustenta a espiritualidade no NT. Percebemos no salmista uma dor muito genuína, durante toda a sua vida, produzida por uma perseguição implacável pessoal e comunitária. Os inimigos de Israel foram, em muitos momentos, implacáveis. O problema ocorre em relação a maneira de se portar em relação ao inimigo e adversário. Quem ora, o faz carregado de ressentimento, que nada mais é do que uma ferida que não cicatriza e, uma vez constantemente exposta ao longo dos anos e da vida, torna-se um rancor constante, que permeia toda a existência e pensamento do ressentido. No salmo, o salmista não consegue perdoar, amar ou abençoar o inimigo. Só consegue o amaldiçoar, desejando vingança e o mal do outro. Percebe-se um espírito triunfalista também em quem ora. O orante está cheio de arrogância em relação a quem o feriu, se vangloriando do seu Deus e se colocando como que superior espiritualmente sobre o que pratica o mal. Não há sinal de humildade, de cautela nas palavras ou de contenção em suas expressões. No NT, através dos ensinos de Jesus de Nazaré, somos instruídos a perdoar os que nos fazem mal, a amar os inimigos e a orar por eles. Mais, somos orientados a sermos mansos e humildes, nunca deixando que a nossa religião nos torne soberbos e altivos. Infelizmente, a leitura de muitos evangélicos em nossos dias está mais para a lógica do AT do salmista do que do NT de Jesus. São “evangélicos” que se sentem superiores a tudo e todos. Estão convencidos de que devem conquistar “para Jesus” politicamente o Brasil e o mundo, como se fossem a solução definitiva de todos os problemas. Acham que a sua postura é superior a outras posições e veem quem diverge como inimigo e herege, seja de dentro ou de fora da igreja. Carregados de ressentimento de um passado problemático longínquo, insistem em guardar rancor de coisas e situações que nem viveram. A oração do salmista é genuína. Entretanto, a nossa leitura precisa estar balizada pela lógica de Cristo. Somente vivenciando a experiência de Jesus, seremos capazes de nos prevenir de leituras com lógicas ultrapassadas e caducadas, como afirma o escritor de Hebreus (8.13), e nos abrirmos para um horizonte cheio da misericórdia encontrada no Cristo!
Pr. André Anéas