Meditações no Salmo 137

Não é sábio romantizar o texto bíblico. A romantização das Escrituras corrompe nossa leitura e nos impede de acessarmos as profundezas do texto sagrado. A beleza desse salmo é invadida pela indignação de quem ora e anseia por vingança – e não é qualquer uma! O salmista é conduzido em sua ira a clamar por uma recompensa a quem atirar os bebês dos babilônios contra as rochas. É absolutamente óbvio que esse tipo de desejo está na contramão da graça reverberada no evangelho de Jesus Cristo. Entretanto, nem sempre saber algo significa ter nossos sentimentos e emoções conformados com a teoria. Essa idealização, em que tudo o que sabemos se torna, automaticamente, tudo o que sentimos, nos desumaniza.

Diante da dor de ser arrancado de sua terra natal – Jerusalém –, forçado a entreter os invasores com músicas que relembram a Cidade Santa e com o peito ferido de tanta saudade, vive a experiência da indignação. Na sua indignação, que nada mais é do que um inconformismo visceral pela situação em estava, ele rasga sua alma ao Altíssimo em uma oração politicamente incorreta. Essa face humana do salmista está dentro de uma tentativa de os textos bíblicos sinalizarem para todos nós as faces da nossa própria humanidade. Enquanto lemos o texto, o texto nos lê. Quem não ficou indignado justamente por vários tipos de questões na vida? Quem nunca se revoltou diante de realidade maldosas, perversas e radicalmente antiéticas? Quem nunca se enfureceu com a maldade de um outro humano contra nós, nossos familiares, nossos amigos e amigas? Quem não se enfureceu com a ganância humana, com as injustiças, com as atrocidades praticadas em nome do amor ao poder e dinheiro (às vezes travestido de “deus”)? É justa nossa indignação? Responderia que é humana.

Aprendemos com quem ora aqui que vomitar nossa indignação aos céus é um caminho possível e genuíno da nossa espiritualidade. Enterrar essa indignação em nossa alma, sem lançá-la para fora, nos desumaniza. Nenhum tipo de desumanização condiz com a espiritualidade bíblica. A espiritualidade que agrada a Deus tem relação com a sinceridade e honestidade de quem somos. Aprendemos também que as coisas mais terríveis que nos habitam não são omitidas de Deus em nossas preces. Ao contrário, são lançadas diante do Senhor. Não oramos para parecermos bonzinhos. Oramos o que estamos sentindo em cada momento, em cada circunstância. Além disso, a oração do salmista ensina que o Eterno está perto em todos os momentos, acolhendo nossa indignação-oração. Por fim, devemos lembrar que nem tudo que está nas Escrituras deve ser entendido e aplicado literalmente, especialmente à luz da Palavra – Jesus! Afinal, nem tudo que a letra diz condiz com o Espírito da graça. Da mesma forma, nem tudo o que oramos estará, necessariamente, alinhado com a melhor teologia e ensino evangélico. Quem disse que nossas preces são uma aula de teologia? Somos humanos.

Ore como humano. Entretanto, lembre-se de se deixar ser permeado pelo Espírito que intercede por você, lhe transformando no humano que haveremos de ser um dia.

Pr. André Anéas