pastoral

A experiência do Mistério

Meditações no Salmo 139

Gosto, particularmente, quando o salmista afirma que não está em condições de compreender plenamente o Eterno, uma vez que Ele é tão elevado e maravilhoso. Quem ora reconhece que o conhecimento que podemos obter acerca de Deus é um conhecimento sempre parcial, sempre envolto em mistério, para além de todo tipo de capacidade racional. Ao final da oração que escreve, ele compara Iavé com os ídolos. Ídolos podem ser manipuláveis, esculpidos, arquitetados e projetados para serem a nossa imagem e a nossa semelhança. Com o Senhor é diferente. Por quê? Por justamente Ele não se permitir se capturável por nossas mentes, permanecendo o que de fato Ele é e sempre será: Mistério. Isso não significa que não podemos saber absolutamente nada acerca de Deus, afinal, Ele mesmo se revelou para a humanidade.

Entretanto, essa Revelação nunca é plena, absoluta e definitiva. Deus, mesmo se revelando, permanece e perecerá Mistério. O salmista sinaliza dois elementos que se pode conhecer desse Deus misterioso. Primeiramente, que Ele é capaz de discernir que seu próprio ser é um “livro aberto” para o Senhor. Esse Mistério sabe e conhece. Esse Mistério nos sonda até as entranhas da nossa alma. O Mistério nos conhece. Assim, viver a experiência do Mistério é ser experimentado por Deus de tal forma que nada passa despercebido. Experimentar Deus é um se despir por completo, um estar nu. Tudo o que somos, pensamos e intentamos está debaixo dos olhares daquele que nos sonda. Quem ora sinaliza, em segundo lugar, que Ele é também Belo.

A maneira como Ele pensa, age, cria, se revela e é está cheia de beleza, de pureza, de alegria, de mansidão, de bondade, de amor. Nada em Iavé é feio e violento. Ele é o Amor, como disse João, o apóstolo. Ao mesmo tempo que Ele é cheio de poder, estando em todo lugar, enxergando no dia e na noite, na claridade e na escuridão, seu poder se manifesta imbuído de um tipo de Beleza eterna, profunda e complexa. Experimentar o Mistério é experimentar aquele que É e de quem nada podemos esconder, pois ele Está. É, igualmente, experimentar um Mistério que se revela de maneira terna, nos paralisando diante de um tipo de Amor que nos silencia, nos impedindo de buscar respostas e soluções, mas que nos faz, tão somente, silenciar e contemplar.

Pr. André Anéas

A experiência da Misericórdia

Nos dias maus, em que tudo dá errado, aprendemos que a confiança no Senhor é fundamental para a nossa jornada espiritual. Porém, existe a possibilidade do dia mau se estender. O tempo passa e os problemas permanecem. O tempo passa e os inimigos parecem só avançar. O tempo passa e a luz no fim do túnel da vida não nos ilumina em nada. Mesmo diante da profunda e prolongada tristeza, ainda assim as Escrituras nos desafiam a algo difícil: viver a experiência da misericórdia do Eterno. 

Quem experimenta essa realidade compreende que o Senhor não é um Deus sádico. Deus não se alegra com a nossa dor. Deus não sente prazer em ver a nossa tristeza. Deus não tem prazer com a dor alheia. Deus não é o autor do mal. Ele é misericordioso. Ele é um bálsamo sobre as feridas dos feridos. Ele é cura nas chagas dos aflitos. Ele é luz na alma cheia de trevas. Ele é a rota que nos afasta do castigo. Ele é o barco que conduz a bonança. Ele é a água fresca em meio aos desertos ensolarados. Ele é fonte de misericórdia hoje e sempre. Há misericórdia da parte de Deus! Mais que isso: nossa fé na misericórdia não será em vão. Não somente saber, mas desfrutar dessa misericórdia. Não somente olhar para Deus e crer que ele é misericordioso, mas estar em prontidão, cheios de expectativa, para a misericórdia que virá! Podemos confiar, podemos esperar: a misericórdia do Senhor não nos decepcionará.

Nas pequenas situações e nas mais complexas questões existenciais, Deus não cessará em manifestar a sua misericórdia para conosco. Cabe uma ressalva: não sabemos como e nem quando. Nem sempre entenderemos os caminhos da vida, os rumos da embarcação que nos leva, e os porquês das dores que sentimos ou o porquê de elas persistirem e insistirem em nos machucar. Entretanto, podemos confiar, podemos esperar, podemos pedir, pois o Deus da misericórdia a derrubará sobre as nossas vidas. Assim, que esperemos com expectativa a onda misericordiosa do Eterno nos imergir em sua bondade, pois aquele que promete cumpre.

A experiência da indignação

Meditações no Salmo 137

Não é sábio romantizar o texto bíblico. A romantização das Escrituras corrompe nossa leitura e nos impede de acessarmos as profundezas do texto sagrado. A beleza desse salmo é invadida pela indignação de quem ora e anseia por vingança – e não é qualquer uma! O salmista é conduzido em sua ira a clamar por uma recompensa a quem atirar os bebês dos babilônios contra as rochas. É absolutamente óbvio que esse tipo de desejo está na contramão da graça reverberada no evangelho de Jesus Cristo. Entretanto, nem sempre saber algo significa ter nossos sentimentos e emoções conformados com a teoria. Essa idealização, em que tudo o que sabemos se torna, automaticamente, tudo o que sentimos, nos desumaniza.

Diante da dor de ser arrancado de sua terra natal – Jerusalém –, forçado a entreter os invasores com músicas que relembram a Cidade Santa e com o peito ferido de tanta saudade, vive a experiência da indignação. Na sua indignação, que nada mais é do que um inconformismo visceral pela situação em estava, ele rasga sua alma ao Altíssimo em uma oração politicamente incorreta. Essa face humana do salmista está dentro de uma tentativa de os textos bíblicos sinalizarem para todos nós as faces da nossa própria humanidade. Enquanto lemos o texto, o texto nos lê. Quem não ficou indignado justamente por vários tipos de questões na vida? Quem nunca se revoltou diante de realidade maldosas, perversas e radicalmente antiéticas? Quem nunca se enfureceu com a maldade de um outro humano contra nós, nossos familiares, nossos amigos e amigas? Quem não se enfureceu com a ganância humana, com as injustiças, com as atrocidades praticadas em nome do amor ao poder e dinheiro (às vezes travestido de “deus”)? É justa nossa indignação? Responderia que é humana.

Aprendemos com quem ora aqui que vomitar nossa indignação aos céus é um caminho possível e genuíno da nossa espiritualidade. Enterrar essa indignação em nossa alma, sem lançá-la para fora, nos desumaniza. Nenhum tipo de desumanização condiz com a espiritualidade bíblica. A espiritualidade que agrada a Deus tem relação com a sinceridade e honestidade de quem somos. Aprendemos também que as coisas mais terríveis que nos habitam não são omitidas de Deus em nossas preces. Ao contrário, são lançadas diante do Senhor. Não oramos para parecermos bonzinhos. Oramos o que estamos sentindo em cada momento, em cada circunstância. Além disso, a oração do salmista ensina que o Eterno está perto em todos os momentos, acolhendo nossa indignação-oração. Por fim, devemos lembrar que nem tudo que está nas Escrituras deve ser entendido e aplicado literalmente, especialmente à luz da Palavra – Jesus! Afinal, nem tudo que a letra diz condiz com o Espírito da graça. Da mesma forma, nem tudo o que oramos estará, necessariamente, alinhado com a melhor teologia e ensino evangélico. Quem disse que nossas preces são uma aula de teologia? Somos humanos.

Ore como humano. Entretanto, lembre-se de se deixar ser permeado pelo Espírito que intercede por você, lhe transformando no humano que haveremos de ser um dia.

Pr. André Anéas

A experiência religiosa

Meditações no Salmo 135

A religião institucional deve ser sempre criticada. Não se trata de uma crítica tola e irresponsável. Historicamente sabemos muito bem que as melhores intenções religioso-institucionais podem e foram deturpadas por interesses egoístas e mesquinhos por parte da classe religiosa detentora de poder. É fato a violência em nome de “Deus”, subsidiada com a força do poder religioso. É fato também a contradição entre o amor e as instituições religiosas, que suplantam os interessem dos outros, por seus próprios interesses. Por isso, a crítica é sempre pertinente, inclusive com o propósito de mitigar o risco de que esse mal volte a ocorrer e se instaurar, desvirtuando a religião. Isso não significa que a religião deva ser eliminada ou que não exista um lado positivo nas instituições religiosas. Se bem compreendida e organizada de modo equilibrado e saudável, existem elementos muito benéficos nas religiões. É justamente esse lado positivo da religião que o salmista destaca, em sua oração cheia de elementos presentes na vida dos religiosos. As convocações do salmista são sempre no plural. Ninguém cultua sozinho.

A religião proporciona encontro, comunhão com o diferente, uma vivência genuinamente comunitária. Ninguém experimenta a fé cristã individualmente, mas sempre no ajuntamento. O salmista também destaca a música entoada para o Eterno. O ambiente litúrgico que acontece nos cultos acontece por causa da religião, que organiza a liturgia para que a comunidade dos que creem adorem e deem testemunho de que são povo de Deus. Nesse espaço litúrgico, a presença de Deus se manifesta de modo místico, pois Deus está no meio do povo. A religião é o local da preservação da memória. Nas festas de Páscoa e do Natal somos levados a rememorar nossa tradição. Por exemplo, ao repetirmos todos os meses a Ceia do Senhor, preservamos a memória desse acontecimento singular que sustenta a esperança da comunidade. As novas gerações aprendem as histórias, os símbolos, de modo que nada se perde, mas é levado adiante de geração em geração. Por fim, é no espaço religioso que se reflete a fé comunitariamente.

Se abre a Bíblia, se estuda o texto perguntas são feitas. Tudo isso contribui para a fé se tornar mais madura e sólida. Somente com reflexão que Deus jamais se torna obsoleto. Somente com reflexão nos tornamos preparados para falar do Altíssimo para todos e todas. A religião tem um lado perverso e deve sim ser criticada. Entretanto, há um lado bom, que, se bem trabalhado, tornará a fé do povo no Eterno ainda mais profunda.

Viva sua vida religiosa com intensidade. Ame a sua igreja local. Desfrute ao máximo do lado bom da religião e viva a experiência da religião.

Pr. André Anéas

A experiência do saudosismo

Meditações no Salmo 132

O povo judeu tem uma história incrível! O que tem sido contado de geração em geração é encantador e nutri a imaginação de cada um que tem um lastro com essas histórias. O “Deus de Abraão, Isaque e Jacó”; “o reinado glorioso de Davi”; “o grande templo de Jerusalém”; as “libertações miraculosas do Deus dos hebreus”. O salmista conhece cada uma dessas passagens importantíssimas para o seu povo. Entretanto, ele está abatido devido a situação ruim pela qual o povo está passando, muito distante das glórias do passado. Diante das recorrentes humilhações, quem ora pede a Deus para “que se lembre” dos momentos importantes, das promessas, daquilo que outrora foi, mas não é mais. Ao mesmo tempo que pede a Deus para se lembrar, o salmista também se lembra e vive a experiência do saudosismo. Quando olhamos o futuro da história de Israel e o advento de Cristo, sabemos da fidelidade de Deus para com seu povo e com todas as nações da terra, como tinha prometido ao pai da fé, Abraão. Porém, sabemos também que a forma como Deus decidiu conduzir esse processo está aquém da expectativa do salmista que pede, insistentemente, para que Iavé se lembre do passado. Sabemos que o Altíssimo conservará alguém no trono de Davi, mas esse alguém é Jesus. Sabemos que ele preservará o seu “templo”, mas os templos somos nós. Sabemos que ele permanecerá fiel a suas promessas, mas elas se cumpriram em Jesus.

Eis o perigo do saudosismo: nos aprisionar na forma das coisas que estão cristalizadas em um passado distante, que paralisa o saudosista, o impedindo de desfrutar das novas possibilidades no hoje e dos desdobramentos criativos de Deus no futuro. O saudosismo nos aprisiona no passado e nos cega no presente e acaba com os sonhos novos no futuro. Problema: o Deus que se revela é um Deus de novidades. O Eterno não deseja conservador tudo do jeito que está. Ao contrário, Ele muda a história, quebra paradigmas e renova cada contexto de forma criativa. Os saudosistas, muitas vezes religiosos ferrenhos, perdem o “bonde da história” e, consequentemente, o novo de Deus. Mesmo olhando para o passado, não nos deixemos aprisionar nele, pois Deus é Espírito e sopra onde, como e quando quer.

Pr. André Anéas

A experiência do céu na terra

Meditações no Salmo 128

Alguns textos das Escrituras, se entendidos literalmente, podem gerar um grande mal-estar no leitor. Esse mal-estar não é fruto de uma intenção maldosa – ou herética – de quem deseja deturpar o texto em prol de algum tipo de benefício próprio. Não. É um mal-estar justo e adequado frente a um tipo de religião que lê o texto de maneira inadequada. Por exemplo: imaginem aquele ou aquela que não se casou, que não tem uma esposa ou esposo, tão pouco filhos para juntar ao redor da mesa em um domingo ensolarado. Ou então o casal que não pode gerar filhos, ou que tentou e devido a circunstância misteriosas da existência a mulher sofreu um aborto espontâneo. Se tomadas ao pé da letra, deparar-se com as palavras do salmista pode significar algumas coisas. A falta de temor e zelo do Senhor, resultando no castigo divino e consequente falta de alegria e prosperidade na vida. Ou, quem sabe, se aquele ou aquela quem lê estiver confiante do seu compromisso com o Eterno, um grande nó na cabeça em virtude de se crer na literalidade bíblica.

Deixando essa leitura simplista, racionalista e tola de lado, acredito que o texto nos diz coisas fundamentais sobre a nossa espiritualidade. Primeiro: temer a Deus, reconhecendo a sabedoria inserida na lógica bíblica como grande norteadora da nossa caminhada é um caminho excelente. Não se trata de um caminho mágico, em que todos os problemas, dores ou sofrimentos serão eliminados. Essa ideia é infantil. Continuaremos enfrentando doenças, dificuldades e desafios gigantes, tendo ou não o temor de Deus. A questão é que ter no Eterno a fonte de sabedoria significa aprendermos a viver. E a vida que se vive com a sabedoria divina é uma vida mais abundante do que a outra. Ouvir e obedecer a Deus significa que estamos em um caminho inteligente, cheio de conhecimento e discernimento. Dessa forma, independente das circunstâncias, a felicidade estará próxima, a família estará unida (independente da configuração) e as bençãos do Senhor estarão sobre nós. Segundo ponto que o salmista nos faz pensar é a imagem utópica dessa cidade de Jerusalém. Infelizmente o mundo não é perfeito. Os problemas são reais e concretos. Nem todos podem priorizar o bem-estar em volta de uma mesa farta, pois sequer casa tem. Mas percebam a imagem que o texto descreve. Uma cidade abençoada, gerações cheias de vigor e vida.

Portanto, uma sociedade em que tanto o bem-estar individual quanto o comunitário é próspero em sentido amplo da existência. Para além das literalidades, o texto nos convida para imaginar e contribuir com esse horizonte. Como como Jesus nos ensina, orar para que “venha o Teu reino”, “assim na terra, como no céu”.

Que a sabedoria do Altíssimo nos dê coragem para concretizar o sonho de Deus e vivermos a experiência do céu na terra a partir da sabedoria que procede do temor do Senhor.

A experiência da dádiva da sustentação

A vida é cheia de causas e consequências – especialmente com um olhar menos atento. Tudo o que se planta se colhe. “Deus ajuda quem cedo madruga”. “Aqui se faz, aqui se paga”. Essa lógica meritocrática está presente em nosso cotidiano. Há certa sabedoria nela. Entretanto, como já mencionado, trata-se de uma ótica superficial. É óbvio que as causas têm consequências. É óbvio que não acordar cedo para trabalhar resultará em pobreza. É certo que se ninguém vigiar, o ladrão entrará facilmente. Mas quem fornece o fôlego de vida? Quem fornece disposição e energia? Quem fornece ar gratuitamente? A sabedoria bíblica e do salmista revela para nós o Eterno como fonte primária de tudo. O seu cuidado nos possibilita vivenciar a experiência da dádiva da sustentação.

Tal dádiva exige de nós algumas reações inevitáveis diante de nossa jornada. Primeiramente reconhecer o fato de nunca termos controle pleno de nada. Ninguém é capaz de gerir tudo em sua vida. Nosso olhar nunca está plenamente atento. Nossas capacidades são limitadas e, igualmente, a nossa atenção. Cabe a nós saber reconhecer esses limites e aceitar a nossa condição limitada. Segundo: reconhecer a nossa dependência do Altíssimo. Muito embora devamos sempre nos esforçar, paira sobre os filhos de Deus a sombra de sua providência, agindo, suprindo, provendo, cuidando e sustentando misteriosamente cada passo, intenção e esforço. Terceiro, expressarmos gratidão por cada conquista e vitória.

Nunca é mérito nosso. Tudo é graça. Somente um coração grato será capaz de vencer a vaidade enganosa dos meritocratas. Somente a gratidão produzirá um coração humilde, que sabe reconhecer a graça e misericórdia diária derramada sobre as nossas vidas. Somente com gratidão seremos capazes de discernir a dádiva do sustento divino sobre os caminhos conhecidos e desconhecidos que percorremos na estrada que se chama vida. Se temos vida é porque o autor da Vida nos concedeu. Quem seremos nós se não reconhecermos as dádivas do Senhor? Que Deus nos leve ao reconhecimento e abra os nossos olhos para percebermos que a vida é dom de Deus!

A experiência do sonho

Somos um tipo de espécie capaz de sonhar. Vislumbramos o futuro. Planejamos o nosso amanhã. Somos criativos. Somos audaciosos. Somos persistentes e insistentes. O Eterno nos fez assim. Alguém que deixou de sonhar, em certo sentido deixou de viver. A falta de sonho – expectativa para o futuro – atrofia o nosso coração e alma, tornando-nos pessoas ancorada em um agora sem nenhuma novidade. Quem não sonha é mais triste do que os que sonham. Quem sonha é mais feliz do que os que não sonham.

Uma cena bonita de se pensar acerca da nossa capacidade de sonhar é imaginar as crianças. Elas não são apenas um receptáculo de estórias de fantasias. Elas imaginam-se dentro da fantasia. Exercitam a sua imaginação e criatividade vislumbrando e sonhando sua participação ativa nesses universos inventados. Para elas, se faltar o vento, elas inventam. Dormem, e sonham com os personagens. Amanhece, e elas brincam da estória que ouviram ontem, mas que sonharam para o amanhã. Sonhar é ato poderoso e subversivo. Transforma a história. Sonhar é dádiva de Deus aos humanos. 

O salmista revela a felicidade do povo exilado que retorna para a sua pátria. “Parecia um sonho”, diz o salmista. O povo abatido, agora fora revitalizado por seu Deus. O povo sem esperança, agora se encheu de júbilo. O povo escravizado, agora está liberto. O povo em prantos, agora sorri. O povo pode sonhar e esperançar. Podemos passar por muitos “exílios” em nossa existência. Mas o pior deles é estarmos exilados da nossa capacidade de sonhar com o novo amanhã. Quando nos é retirada a capacidade de vislumbrarmos o novo, em nossa vida, no nosso próximo e no mundo, praticamente morremos. O Eterno é um Deus que nos concede a graça de sonhar. Tornemo-nos crianças, fantasiando um amanhã melhor, pois amanhã poderemos brincar de um mundo mais justo, sem lágrima, sem dor e sem sofrimento. Do contrário, sem sonhos, seremos apenas viventes passando pela vida, nunca fantasiando, nunca esperançando, nunca brincando de sonhar. 

Penso que o objetivo de Deus ao se fazer gente foi nos revelar que tudo é possível, inclusive tornarmos sonhos em realidade. Que possamos engravidar dos sonhos, pois amanhã eles nascerão!

A EXPERIÊNCIA DA CONFIANÇA NO ETERNO

A experiência humana nos ensina que devemos ter cuidado em depositar a nossa confiança em coisas passageiras. Os que confiam no dinheiro, podem ficar pobres; os que confiam nos bens materiais, frustram-se, pois eles deterioram-se; os que confiam nos humanos, são traídos; os que confiam em si mesmos, decepcionam-se. O depósito da nossa confiança é coisa séria, e pode definir a qualidade da nossa saúde. As angústias de uma confiança abalada podem ser grandes, gerando em nossa alma humana um abalo significativo.

Tal abalo pode nos colocar em lugares existenciais complicados. Uma vez que a nossa confiança foi frustrada, a porta do nosso interior fica escancarada para a falta de sentido, um pessimismo em relação a vida, uma sensação de constante desconfiança de tudo e todos. Ficamos sem chão, com medo e receio de cada passo. Sábio é o salmista! Para ele há um alvo seguro para a nossa confiança: o Eterno! 

Nele podemos confiar, pois uma vez deposita nEle a nossa confiança, nada poderá nos abalar, pois não haverá espaço para o medo, receio, frustração, engano, temor. Os “montes de Sião” dentro de nós não serão abalados se depositamos a nossa confiança em Deus. Os passos que damos quando a confiança está no Altíssimo, são passos seguros, bem dados. A confiança no Senhor é um lançar-se em fé. É um salto seguro. É um atravessamento de um grande precipício com a certeza da chegada no chão firme. Quem confia em Iavé, confia também em sua bondade. O pessimismo diante da maldade do mundo não alcança o coração de quem caminha com Deus, pois sabe que em Deus sempre o amor vencerá. No Eterno não temos o porquê temer que a barbárie, as guerras ou a maldade se perpetue. Sempre o amor vencerá a indiferença; o perdão vencerá o rancor; e a bondade vencerá a maldade. No Senhor a paz está garantida!

Em que temos confiado? Para que ou quem temos dado a nossa confiança? Somente no Eterno seremos satisfeitos e, mesmo diante do mal, não seremos entregues ao desespero, pois nEle, o mal já foi julgado e vencido! Viva e desfrute da experiência da confiança no Eterno.

A EXPERIÊNCIA DA COMUNIDADE

A nossa teologia evangelical tende a ser por demais individualista. É o meu Deus; é a minha benção; é o meu milagre; é a minha vitória. O singular prevalece em detrimento do plural. Entretanto, a experiência que fazemos de Deus prioriza a comunidade. A experiência da comunidade enriquece a experiência pessoal e é essencial se quisermos experimentar plenamente a realidade do Deus testemunhado nas Escrituras. A percepção do salmista exalta justamente isso. O Eterno socorre, Ele protege, concede liberdade. Isso tudo acontece para nós e não para mim

O salmista incentiva todos a cantarem juntos. Somente em comunidade a experiência está completa. É possível perceber essa dimensão comunitária em relação a ação de Deus para com o seu povo. As misericórdias do Senhor e sua eterna graça são concedidas aos humanos, abundantemente derramadas sobre os seus. Ninguém é alvo exclusivo do cuidado de Deus. Deus não é exclusivamente nosso. Nós somos dEle e Ele é de todos. O salmista também destaca a adoração e a gratidão comunitária. Todos cantam. Todos adoram. Todos louvam. Trata-se de uma comunidade de adoradores. Trata-se de uma comunidade que reconhece o cuidado do Bom Pastor. Outro aspecto é o testemunho. O testemunho de Deus no mundo não é visto por um indivíduo, mas por toda a comunidade que é capaz de discernir a presença e ação de Deus no mundo e na história.

O futuro que Deus deseja também não é meu, mas nosso. Os projetos de cuidado do Eterno são destinados a toda a comunidade. Não basta que um seja feliz, que um seja livre, que um tenha o direito de sonhar. O socorro do Altíssimo e seus planos de prosperidade são destinados a toda comunidade. Assim, experimentar Deus e fazer a experiência da comunidade significa perceber e se perceber pertencente a um todo, ao povo, a Igreja, a comunidade do Senhor. Todos nos sentimos amados em nosso particular. Entretanto, somente quando percebemos esse amor de Deus por mim e pelos meus irmãos e irmãs e isso nos faz feliz, é que o amor se torna completo, pleno, atingindo o seu ápice e sem resquício de egoísmo. Quando sabemos que somos amados e que o amor de Deus não excluí, mas agrega, e isso é bom, é que experimentamos a realidade do Deus Trino – Deus comunidade – em nossas vidas. Somente em comunidade podemos experimentar a realidade do seu amor, amor destinado ao seu povo.