pastoral

A experiência do maravilhamento

“Quando a esmola é demais o santo desconfia”, diz o ditado popular. Ou: “é bom demais para ser verdade”. Quando esse tipo de frase é mencionada no cotidiano, normalmente está se falando sobre algum benefício financeiro ou algum ato inesperado de bondade de outrem. A resposta natural é de surpresa e espanto frente ao inacreditável. Como algum me beneficiaria gratuitamente? Após o espanto surge a suspeita e a desconfiança. Ora, existe algo que provavelmente não está sendo percebido frente a graça concedida. Deve existir, pensaríamos, algo nas entrelinhas, ou em letras miúdas, que não estou sendo capaz de enxergar. “Devem estar me enganando”; “é uma pegadinha”. O salmista experimenta essa sensação, mas em relação a Deus. Ao deparar-se com o amor divino ele vive a experiência do maravilhamento.

Fica encantado, em êxtase, embriago do amor do Eterno por sua vida. Em dado momento do salmo ele diz: “é algo maravilhoso para nós” (NVI). Na bíblia A Mensagem, a paráfrase afirma: “Nós esfregamos os olhos, custando a crer nisso!” Muitos desconfiam da graça e da misericórdia divina. Muitos desconfiam do amor de Deus. De certa forma é compreensível, pois em nossas relações humanas estamos habituados a muita desconfiança daqueles que nos ajudam sem esperar nada em troca. Toda essa bagagem humana nos coloca em uma relação com Deus também desconfiada.

Entretanto, há uma diferença. O amor de Deus não falha! O amor de Deus é perfeito. O amor de Deus é constante. A qualidade da bondade divina é diferente da bondade humana, muitas vezes disfarçada em hipocrisias e interesses egoístas. “O amor de Deus dura para sempre!” Quando a sua graça amorosa é derramada no humano e nos abrimos ao Seu amor, não há desconfiança, é puro maravilhamento. Queremos contar para todos que Deus é bom! Queremos cantar que fomos ouvidos e amados. Que gritar que somos aceitos e livres da morte no Altíssimo. Que possamos nos maravilhar com seu amor e viver essa experiência de não ter lugar melhor que a segurança e cuidado amorosos do Senhor. 

A experiência de amar

Quem ama ou está apaixonado não precisa fornecer muita justificativa dos seus sentimentos. Amor e paixão não estão no campo da razão, mas da emoção. Quem ama está mais para poetas que recitam versos que vêm da alma do que para cientistas que tentam explicar a lei da gravidade em artigos científicos. O salmista começa sua poesia falando do seu amor pelo Eterno. Muito embora use da linguagem para expressar os seus sentimentos, suas palavras revelam que a lógica não dá conta de entendermos esse amor que ele sente. Ele nos conta de  momentos de sua vida bastante complicados. A morte o envolveu. As angústias o atingiram. Ele ficou sem forças. Ele chorou. Ele esteve aflito e em pânico. Quem diante dessas lutas tem tempo para amar? Quem diante da morte sente-se como que apaixonado? Não tem lógica. Não tem razão.

O salmista nos conta de sua devoção pelo Senhor justamente em momentos delicados e difíceis. Ele vive a experiência de amar em meio aos abismos das aflições da existência, pois é justamente ali em que ele encontra o afago do seu Deus. Deus o escuta. Deus o protege. Deus o livra da morte. Deus está com ele na dor. Deus o salva em sua impotência e pequenez. O conflito dentro de quem experimenta essa realidade é tamanho: como poderia o sofredor estar amando Deus em meio a sua luta? A solução do conflito está no fato do salmista gritar com a sua própria alma para que ela se dê conta que foi resgatada e acolhida no oceano infinito de amor do Altíssimo. O bálsamo de esperança que esse amor gera é visível, fazendo brotar forças no salmista para ele manifestar a sua gratidão aquele cujo seu amor é devotado.

A experiência de amar não tem lógica e tão pouco circunstância. Quem ama, quem se apaixona, se entrega e sacia a própria alma nessa sensação e na presença do seu Amado. Qual a razão do seu amor por Deus? Precisa de uma? Que possamos vivenciar esse amor corajoso, que diz para alma ficar quieta, quietinha, e tão somente se regozijar no encantamento dos apaixonados pelo Eterno.

A experiência do Deus vivo

O Deus que se revela nas Escrituras é um Deus para além do nosso conceito de Deus. Ele nunca poderá ser captado em sua totalidade. Nunca poderemos dar conta de quem Ele é em sua plenitude. Ele sempre vai escapar-nos. Ele sempre permanecerá mistério, muito embora se revele para a humanidade. Essa percepção acerca de quem Ele é, é fundamental para compreender a sua grandeza, inefabilidade e transcendência. Simultaneamente – ou dialeticamente – sua revelação, manifestação ou aparição se torna ainda mais especial, única e singular.

Viver a experiência do Deus vivo, que significa a experiência de um Deus indomesticável, não gerenciável e incontrolável em seu querer, é experimentar uma proteção, um cuidado, uma companhia, um amor, uma graça e uma misericórdia cujas palavras nunca darão conta da verdade e realidade desses conceitos. É vivenciar a pureza e grandiosidade do Mistério que deliberadamente deseja vir ao nosso encontro. É estar envolvido em um mistério amoroso. É estar casado com um noivo que ama a noiva com uma paixão eterna. É estar banhado em águas límpidas. O fiel que experimentou esse amor é um fiel que não se abala com os questionamentos dos questionadores e seus argumentos tolos. Por quê?

Por saber que Deus não é um ídolo e que tão pouco os que se curvam diante do Mistério tentam controlar o ímpeto amoroso do Eterno. Assim, aqueles que questionam Deus o fazem em nome de ídolos inexpressivos, de ideias que suas próprias mentes criaram. Somente quem está diante daquele cujo nome não dá conta do seu Ser, pode confiar em um cuidado e amparo certo e seguro. A benção de Deus está sobre aqueles que não ousam definir Deus, mas tão somente silenciar e contemplar a sua majestade, grandeza e senhorio, expressos em metáforas que nunca darão conta do Deus vivo!