Meditações no Eclesiastes 1.12-18

É comum associarmos a sabedoria a pessoas que possuem títulos e prestígio social e relativizarmos a sabedoria dos pouco instruídos à luz dos caminhos tradicionais. O sábio do Eclesiastes tem absoluta consciência do seu próprio privilégio. Sabe, primeiramente, que é mestre. Um alguém dotado de inteligência acima da média. Uma pessoa com potencial de reflexão sofisticada e com um repertório vasto. Um humano capaz de elaborar conexões e novas sínteses, de ler a realidade de modo profundo e longe de captar apenas as obviedades. Além disso, ele é um rei! Ser rei é nadar em um mar de privilégios e responsabilidades.

Ser rei significa ser reconhecido como aquele cuja benção de Deus está. É alguém hábil em pensar estratégias políticas e gerenciar coisas complexas de um determinado povo. Alguém inquestionável e que possui em suas mãos a forço bruta para silenciar e exercer juízo sobre tudo e todos. Em terceiro lugar, o sábio sabe que é famoso. Suas ações e reflexões repercutem para além do seu círculo próximo de amigos e familiares. Todos sabem quem ele é. Todos reconhecem seu conhecimento e sabedoria. Todos sabem de sua majestade. Todos falam dele e do seu prestígio. Mestre, rei e fama. Será que isso seria o suficiente para se conhecer todos os mistérios da vida? Seriam os títulos e o prestígio capazes de credenciarem alguém a discernir adequadamente a realidade? Quem sabe, seria essa a provocação da vez do sábio… Liev Tolstói, grande nome da literatura russa, em seu livro Uma confissão, confessa que não foi entre os intelectuais que ele encontrou o verdadeiro sentido da existência. Foi justamente entre os populares na Rússia. Ali ele detectou algo que ultrapassava tudo o que uma mente brilhante poderia obter a partir da sua própria razão: a fé.

Enquanto os mestres tentam explicar tudo, os reis permanecem exercendo o seu domínio e o seu poder e os de grande fama buscam conservar o seu prestígio, existem Joãos, Marias, Josés e Beatrizes vivendo a vida em esperança, alegria e com um tipo de sabedoria que, mesmo em meio aos sofrimentos e dores da vida, não permite que eles desistam da existência. “Coragem de viver”, diria Tolstói. Gente humilde, que não se submete a entender que a vida não tem sentido. Gente humilde que não aceita o “não” da vida, nega o negativo, e insiste em ver nascer um sim, o positivo. Gente humilde, simples. Plebeus, de pouca fama, mas que são portadores de uma sabedoria que supera o pessimismo dos mestres. Enquanto para o sábio nada tem sentido, o colocando em uma enorme crise existencial, tem gente humilde cheia de coragem de viver, cuja fé os move para além da sabedoria dos sábios.

André Anéas

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