Meditações no Salmo 142

Existem momentos em nossas vidas em que podemos vivenciar a experiência do abandono. Não se trata de um momento banal, corriqueiro. De fato, são situações ímpares, realmente difíceis do ponto de vista existencial. Dentro do ambiente familiar isso pode se manifestar em filhos que são abandonados pelos pais. Quem sabe não necessariamente um abandono literal, mas emocional. A percepção na alma de que não é possível mais contar emocionalmente com os pais biológicos devido a indiferença deles em relação ao filho ou filha. Dentro da vida relacional mais ordinária, relações de amizade são rompidas ou estremecidas diante da constatação de alguma parte que a deslealdade imperou. Como um sopro dentro do ser, se descobriu que o “amigo” ou “amiga” não cultivam a mesma dedicação, por assim dizer, àquela relação. Uma palavra, um gesto ou uma atitude acabam por revelar a verdade. Dentro do ambiente eclesiástico acontece com frequência. Por longos anos fraternidade. Por bons anos a harmonia. Diante das diferenças, entretanto, brota um tipo de incompatibilidade que germina a semente da rejeição. Quem padece isso dentro do ambiente eclesiástico corre sempre o risco de sentir-se abandonado pelo próprio Deus. Seja na família, nas amizades ou na igreja, a dor de quem se sente abandonado é incalculável. Perde-se, abruptamente, o suporte emocional de quem se amava. Fica, tão somente, uma sensação de vazio, permeada de questionamentos incessantes acerca do quanto essa história valeu a pena ser vivida. O estrago pode ser imenso, justificando mudança radicais na vida cotidiana. Não cabe o julgamento desses sentimentos aqui. Cabe o acolhimento dessa dor do abandonado. O salmista experimentou essa sensação terrível, em que conseguia apenas lamentar e apresentar a sua angústia ao Senhor. Desanimado, rememora a dor de não ser cuidado, os caminhos que o levaram para a solidão e uma dura certeza: ninguém se importa mais com ele. Só há uma saída, uma rota alternativa: olhar para o céu e clamar ao Altíssimo.

Provavelmente sentiremos nesses instantes a rejeição do alto também. Mas, na desesperança nasce a esperança. Mesmo em meio a sensação do abandono, há um Deus que escuta e que acolhe o abandonado. Nos mínimos detalhes, ouve com atenção o lamentar de quem ora. Trata-se de um Deus que se compadece e sofre junto com o sofredor. Sua benção é para com aquele ou aquela afligido pelo abandono, seja de quem for. Em Deus, não há solidão, mas companhia verdadeiro que tudo restaura, mesmo nos dias de maiores tempestades na alma de quem vive a experiência do abandono.

Pr. André Anéas