Meditações no Salmo 128
Alguns textos das Escrituras, se entendidos literalmente, podem gerar um grande mal-estar no leitor. Esse mal-estar não é fruto de uma intenção maldosa – ou herética – de quem deseja deturpar o texto em prol de algum tipo de benefício próprio. Não. É um mal-estar justo e adequado frente a um tipo de religião que lê o texto de maneira inadequada. Por exemplo: imaginem aquele ou aquela que não se casou, que não tem uma esposa ou esposo, tão pouco filhos para juntar ao redor da mesa em um domingo ensolarado. Ou então o casal que não pode gerar filhos, ou que tentou e devido a circunstância misteriosas da existência a mulher sofreu um aborto espontâneo. Se tomadas ao pé da letra, deparar-se com as palavras do salmista pode significar algumas coisas. A falta de temor e zelo do Senhor, resultando no castigo divino e consequente falta de alegria e prosperidade na vida. Ou, quem sabe, se aquele ou aquela quem lê estiver confiante do seu compromisso com o Eterno, um grande nó na cabeça em virtude de se crer na literalidade bíblica.
Deixando essa leitura simplista, racionalista e tola de lado, acredito que o texto nos diz coisas fundamentais sobre a nossa espiritualidade. Primeiro: temer a Deus, reconhecendo a sabedoria inserida na lógica bíblica como grande norteadora da nossa caminhada é um caminho excelente. Não se trata de um caminho mágico, em que todos os problemas, dores ou sofrimentos serão eliminados. Essa ideia é infantil. Continuaremos enfrentando doenças, dificuldades e desafios gigantes, tendo ou não o temor de Deus. A questão é que ter no Eterno a fonte de sabedoria significa aprendermos a viver. E a vida que se vive com a sabedoria divina é uma vida mais abundante do que a outra. Ouvir e obedecer a Deus significa que estamos em um caminho inteligente, cheio de conhecimento e discernimento. Dessa forma, independente das circunstâncias, a felicidade estará próxima, a família estará unida (independente da configuração) e as bençãos do Senhor estarão sobre nós. Segundo ponto que o salmista nos faz pensar é a imagem utópica dessa cidade de Jerusalém. Infelizmente o mundo não é perfeito. Os problemas são reais e concretos. Nem todos podem priorizar o bem-estar em volta de uma mesa farta, pois sequer casa tem. Mas percebam a imagem que o texto descreve. Uma cidade abençoada, gerações cheias de vigor e vida.
Portanto, uma sociedade em que tanto o bem-estar individual quanto o comunitário é próspero em sentido amplo da existência. Para além das literalidades, o texto nos convida para imaginar e contribuir com esse horizonte. Como como Jesus nos ensina, orar para que “venha o Teu reino”, “assim na terra, como no céu”.
Que a sabedoria do Altíssimo nos dê coragem para concretizar o sonho de Deus e vivermos a experiência do céu na terra a partir da sabedoria que procede do temor do Senhor.