Meditações no Eclesiastes 5.18-20

“A Formiga só trabalha porque não sabe cantar”, disse Raul Seixas em uma de suas canções. Longe de fazermos uma apologia ao “não trabalho”, é certo que há verdade nisso. A Formiga vive para o trabalho. É um estilo mecânico, repetitivo, sem prazer. Ela nunca desfruta da alegria de cantar sem pensar no amanhã. A Cigarra, por outro lado, desfruta do agora, do hoje, e vive a experiência da alegria, sem planejamentos e preocupações com o futuro. Desfruta do mais prazeroso da vida. O sábio já nos ensinou o quão dura e sem sentido é a vida debaixo do sol. Viver como uma Formiga, que trabalha pelo trabalho, desatenta ao que realmente importa na existência, é uma grande tolice.

A vida é maior do que o trabalho. A vida é maior do que a lei. A vida é maior do que as preocupações. Podemos afirmar que a vida possui vários elementos sem sentido. Entretanto, devemos afirmar igualmente que vivemos muitas vezes de modo sem sentido. A busca por sabedoria é uma busca por profundidade, por felicidade, plenitude, satisfação, contentamento, desfrute dos dias debaixo do sol. Todos e todas devem ser, ao menos um pouco, Cigarras, que cantam por cantar. O Eclesiastes ensina que todo o nosso esforço desgastante não é a coisa em si, bem como o acúmulo de riquezas também não é a razão da nossa vida. A questão chave é o que fazemos com o tempo que nos é dado e como usamos os recursos que estão em nossas mãos.

A verdadeira benção do Eterno está no como desfrutamos a jornada. Longe de coisas mirabolantes, como viagens e gastronomia refinadas e caras, o ponto chave é: comer, beber e se alegrar. Recordo também do filme “A Sociedade dos Poetas Mortos”, em que a personagem principal, um professor de literatura, diz aos seus estudantes: “Nós não lemos e escrevemos poesia porque é bonito, nós lemos e escrevemos poesia porque pertencemos a raça humana e a raça humana está cheia de paixão…” Comer, beber e se alegrar nessa vida cheia de absurdos e contradições é para humanos apaixonados e corajosos de viver o agora, sem com isso serem alienados. A graça de Deus, segundo o que parece ter percebido o sábio, é essa paixão pela vida, que permite aos humanos ver no efêmero uma fonte de prazer. Literatura, poesia, música, dança, empinar pipa, desfrutar de um jantar entre amigos… É uma dádiva divina após o trabalho de Formiga de todos nós, ter um tempo de Cigarra.

Pode cantar e sorrir, é coisa de Deus – tolo é que diz que não é! É uma graça divina somente se deleitar. Existem muitas questões complexas no mundo, muito sofrimento e dor, muita injustiça. Claro que são coisa que nos tocam e devemos refletir sobre elas e lutar por um mundo melhor. Mas até mesmo em meio as lutas justas, deve existir espaço para a paixão de um coração que só quer cantar e ser feliz.

André Anéas

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