Meditações no Eclesiastes 6.1-2

Após partilhar algo de bom que percebe na vida, o tom cético do sábio retorna com tudo. Ele percebe mais contradição e maldade debaixo do sol e volta a nos provocar enquanto seus leitores. Em sua visão de mundo, o Eterno é a origem da bondade e da maldade. Tudo vem de Deus. Exatamente por isso, ele detecta uma contradição sem sentido: o Deus que derrama ricas bençãos sobre uma pessoa – dinheiro, posses, fama e poder – é o mesmo que deixa essa mesma pessoa sem desfrutar do que recebeu. Pior ainda, tudo o que se ganhou pode parar, do dia para a noite, na mão de outra pessoa – um ladrão, alguém mais poderoso, um espertalhão. Não há, na lógica de quem escreve, nenhum sentido nisso. De fato, é uma contradição. Mas não devemos parar na reflexão do sábio, precisamos aprofundá-la. Sabemos que a riqueza acumulada pelos bilionários em 2024 atingiu um total de US$ 15 trilhões (R$ 90 trilhões).

Dados da Oxfam evidenciam que o 1% mais rico no globo acumula 45% da riqueza total, enquanto 44% da população mundial vive com menos de US$ 6,85 (R$ 41,50) por dia. Qual o sentido disso debaixo do sol? Será que esse acúmulo é algo justo? Será que esses poderosos não aprenderam uma forma de evitar que suas fortunas fosses tomadas por outros, perpetuando esse acúmulo? Acredito que se o sábio de Eclesiastes soubesse o que seria o século XXI iria se espantar ainda mais do que se espantou em seus dias.

O tema recorrente das Escrituras e das reflexões do sábio é que todas as riquezas não possuem potência de sentido para o humano. As verdadeiras riquezas não estão nos bens materiais, na fama ou no poder que podemos ter. Tudo isso é uma ilusão passageira que não corresponde ao mais profundo valor do que é a vida humana. De todo modo, existe uma teologia a ser (re)pensada aqui. Será que foi Deus quem deu para esses bilionários os 45% da riqueza do mundo? Será que foi Deus que deixou 44% da população mundial vivendo com apenas R$ 41,50 por dia?

Hoje sabemos que existem lógicas e dinâmicas socioeconômicas que produzem esse tipo de desigualdade e injustiça. Esse acúmulo que impede que os seres humanos vivam com o mínimo de dignidade é pecado e sinal de uma sociedade perversa. O mundo que devemos almejar é um mundo em que todos possam ter o direito de fazer as reflexões sobre a vida, o sentido da existência e o mundo. Não há sentido em vivermos em um planeta em que milhões de irmãos e irmãs não tenham o direito de pensar no valor das coisas simples diante das grandezas, pois não tem o mínimo para viver.

André Anéas

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