Meditações no Eclesiastes 1.2
“Vaidade de vaidades” é a expressão mais emblemática do livro de Eclesiastes. O sábio, esse que está em busca, diz que tudo é “vaidade”. Que isso significa?
Traduções que buscam captar o sentido mais profundo do termo em hebraico falam em “vazio”, “sopro” e “névoa”. Tudo, na ótica do escritor-pensador é, portanto, uma espécie de neblina que se dissipa (pegando carona no texto de Tiago 4.14), algo que não vale a pena. Imediatamente somos surpreendidos por essa afirmação contundente. Será que a vida não teria sentido? Será que a existência é uma aleatoriedade? Será que não há razão alguma para vivermos? É sempre necessário lembrar que quem escreve o faz com a coragem de afirmar coisas que observou e refletiu por anos, revisitando recorrentemente os pensamentos a partir da realidade que se vê com muita atenção. A afirmação do sábio, não deve ser acatada como equivalente a ideia de que a vida não tem sentido. Mas, conforme as percepções mais adequadas do texto nos ajudam a discernir, que a vida é um “vazio”, “sopro” e “névoa”. Sendo a vida essa “neblina”, algo que “não vale a pena”, os olhos de quem pensa podem observar algo que está para além das aparências. Em outras palavras, somente quando detectamos que tudo não passa de um sopro somos capazes de discernir aquilo que, de fato, vale mesmo a pena ou que se sustenta para além do vento, do ar e da névoa que se esvai.
A reflexão que estamos sendo conduzidos nos leva para a percepção de que as razões que justificam a existência não são tão óbvias. Somente quando temos a capacidade de olhar para tudo e ver um “nada”, conseguiremos ver, de fato, o que importa. Estar dentro desse movimento é assumir a caminhada em sua paradoxalidade – ser ou não ser; bonito e feio; eterno e finito; alegria e tristeza; presença e saudade; vida e morte; festa e luto; etc. –, característica da própria vida que muitas vezes nos assustam e chocam. Lidar com esse turbilhão de contradições dentro da caminhada pode fazer com que sedamos à tentação de “escapar” do problema. Ou, encontrar sentido em tudo: no dinheiro, no emprego, no sucesso, no consumo, no carro do ano, na rotina, na vida religiosa, etc. Justificar a vida a partir de obviedades, que nos ajudam a fechar os olhos para aquilo que o sábio insiste em querer que vejamos: nada faz sentido ou nada vale a pena. Reforço: somente quando temos coragem de perceber que as coisas que podem ser os “atalhos” para o sentido da vida não têm sentido, é que conseguimos encontrar sentido no que realmente importa nesse mundo efêmero.
A questão não é o jantar caro, mas a companhia; não é a família perfeita, mas o amor; a questão não é sobre o quanto ganhamos em nosso emprego, mas a satisfação interior de exercer nossa criatividade; não é a religião, mas a fraternidade; não é o tempo, mas os prazeres e as saudades; não é sobre os bens, mas sobre a generosidade e a gratidão; não é sobre ontem ou o amanhã, mas sobre o instante. É somente na relativização do obvio que habilitamos nosso olhar para discernir, para além das obviedades, os entrelugares de sentido de um mundo sem sentido, para além de um sopro.
André Anéas