Meditações no Eclesiastes 1.4
Da mesma forma como tudo não passa de sopro e vento, assim são as gerações, puro movimento. Elas vêm e vão, como as ondas do mar as gerações são constituídas, destituídas e substituídas, em uma dialética infinita, sem limites, sem perspectiva de fim. Uma eterna dança geracional, fluindo o humano nesse mundo que insiste em permanecer, enquanto tudo nele se move e se esvai.
Que o sábio quer nos dizer a partir dessa constatação? Que podemos inferir a partir de suas sábias palavras? Primeiramente, que não podemos nos superestimar. Nós, enquanto indivíduos de uma geração não somos os “salvadores da pátria”. Muitas gerações vieram antes de nós. Muitas virão após nós. Tudo isso em pouquíssimo tempo, uns 75 anos, quem sabe. Que são 75 anos para os 13.8 bilhões de anos do universo? Um cisco de nada. Em segundo lugar, para aumentar a nossa humildade, aquele que busca entendimento afirma que a terra permanece. Nessa supervalorização que fazemos de nós mesmos, especialmente nós enquanto indivíduos do “contemporâneo”, somos conduzidos a perceber que a terra, a natureza, a fauna, a flora, o cosmo como um todo, é uma constante. Embora em movimento, há uma permanência. Embora complexo, há um ritmo. Embora não existam linhas retas, há um compasso determinado em cada lei natural. Embora misterioso, há uma solidez fundamental. A natureza vem antes de nós e permanece após a nossa morte. Somos mais da terra do que a terra é nossa. Parece existir aqui a oportunidade para a humildade contemplativa da criação florescer. Isso não significa a inércia do humano ou a sua indiferença frente a vida. Tanto o primeiro como o segundo argumento nos levam para o terceiro e último ponto dessa brevíssima reflexão: a vida precisa ser vivida com diligência e sabedoria.
Em nosso curto espaço de tempo e dada a insignificância das mudanças que podemos fazer na existência, devemos nos perguntar qual seria, portanto, a nossa humilde contribuição em nossa geração que passa como o vento? Sim, contribuição. Vocabulário mais adequado para um humano que deve se portar humildemente na existência. Ora, devemos pensar em contribuição e não em destruição. Gerações vêm e vão, mas até quando? A terra que permanece já sinaliza seu incômodo com gerações insuportavelmente incômodas de nós. Consomem, destroem, matam. A “terra” tem clamado por esse “sangue” a tempos. Não parece existir sabedoria nesse caminho suicida. Aquela que é antes de nós – a “terra” – poderá nos vomitar, pois é mais forte e sua sabedoria ultrapassa a idade de nossa humanidade. Assim, a contribuição que devemos dar deve se bem refletida, bem pensada.
A vida não é coisa pequena, embora não passe de vento para nós. Cada instante da vida precisa ser vivido de modo a contribuir com nossos representantes no futuro. Que poema deixaremos escrito? Que tipo de arquitetura deixaremos de herança? Quais serão as manifestações artísticas que produziremos para que os humanos do futuro possam admirar? Que tipo de literatura, quais conquistas, quais melhorias? Nossa geração passará e outra chegará. Será que a nossa trará algo de significativo? Será que nossas vidas que passam deixaram algum tipo de legado? Ou será apena um instante insignificante para que vem depois? Ou, pior, será uma contribuição negativa, piorando o futuro? Ao voltarmos ao pó, que o pó se agrade de nós.
André Anéas