Meditações no Eclesiastes 4.7-12

Perdemos completamente a dimensão comunitária da vida humana. A ideologia neoliberal, que predomina no ocidente, absolutizou o individual, convertendo-o em individualismo. É por isso que é tão difícil entendermos problemas sociais em nossas sociedades.

Estamos viciados em olharmos para o nosso próprio umbigo, cuidarmos apenas do que é nosso, darmos atenção somente ao que me toca. Temos muita dificuldade em pensar em questões coletivas. Exemplos disso são: o racismo estrutural, as desigualdades sociais e os problemas climáticos. Donde vem essa dificuldade? Do individualismo, que faz cada um de nós parecer que é completo em si mesmo. Quem não sofre racismo, não consegue enxergar esse pecado tão grave; quem tem comida, casa, segurança dificilmente se compadece de quem vive na miséria; enquanto está tudo bem com a minha vida, por que me preocupar com o derretimento de geleiras em outro continente? O individualismo produz um tipo de espiritualidade nefasta, uma espiritualidade que nos ensina que é possível viver na solidão e ser feliz. A solidão, resultado dessa lógica individualista, produz relacionamentos egoístas e superficiais – a pessoa com quem escolhemos partilhar a vida, com os “amigos” e até mesmo com os filhos – e uma profunda incapacidade de olharmos para dentro de nós mesmos e fazermos perguntas sérias.

O sábio percebeu isso e achou tudo um verdadeiro absurdo! Ele detectou que esse tipo de “homem solitário” está relacionado a busca por riqueza, que nos coloca em um ritmo de trabalho que visa tão somente o enriquecimento. Se perde a companhia verdadeira nesse processo; se perde a família; se sacrifica o gozo pela vida em nome de uma compulsão pelo dinheiro; se desconfia das pessoas; tudo passa a ter um preço, inclusive as relações mais íntimas. Quem vive essa experiência trágica, não consegue perceber. Está cego. Não percebe que a verdadeira felicidade foi embora e que se tornou apenas uma máquina de trabalhar e produzir “riqueza”. Não percebe que a vida foi subtraída. A dimensão comunitária é retirada de cena. Não há mais a percepção que precisamos um dos outros enquanto humanos. Nos esquecemos que a riqueza deve ser compartilhada entre nós. Deixamos nosso próximo caído, pois parece que não ele não tem nada a ver comigo. Esquecemos que o frio e a escassez não são problema meu, mas nosso. Esquecemos de nos proteger enquanto irmãos e irmãos humanos que somos.

O sábio e a lógica bíblica denunciam esse equívoco. O sábio, assim, nos convida para outro modo de vida: comunitário. Não existe espiritualidade bíblica individualista. A beleza da existência está no fato de sermos comunidade, discernindo que a vida é vivida sempre em fraternidade e em companhia. Se aproximar dessa espiritualidade comunitária significa abrirmos os olhos para a beleza de que tudo está conectado e que o meu “eu” não existe sem o “nós”. Se aproximar dessa espiritualidade significa discernir que não existe dinheiro que compre uma boa companhia.

André Anéas

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